sexta-feira, março 28, 2008

oh, children!

Tenho um coração vagabundo e olhos gulosos. Uma boca grande demais e emoções à flor da pele. Mãos ligeiras e uma vontade descarrilada. Volúvel, pontas dos dedos no meu braço ou um beijo na testa me derretem em horário comercial. Constelação de sons e imagens em alinhamentos pouco prováveis são ingredientes mágicos de uma sedução in(oc)consequente. Bom humor em devaneio, receita de pele boa por vários dias. Que será das coronárias?

Noite passada você (o outro) veio me dizer em sonho que me queria. Deitou ao meu lado e usou desse seu tom doce que eu imaginei ser verdade. É mentira, você sabe. Sim, seu sei, mas acreditar no sonho me libertou. Limpou minha mente que nem flanelinha na sinaleira. Só que não vou lhe dar nenhum tostão. Não tenho trocado. Troco você por outros quinhentos. Por futuras memórias. Envelopo a minha ilusão e retomo o ritmo de respirar que não dói nas costas.

Ai, calor...

Pararam todos os ventos e o outono virou de costas de repente. Descobrimos que a cidade naufraga numa onda de calor molhada, fazendo rostos brilharem em plena luz da noite. Não fosse a completa falta de sensualidade, hoje qualquer bar de Salvador estaria parecendo o clipe de Slave for you.

terça-feira, março 25, 2008

Televisão

Acabo de comprar uma antena para TV. Adquirida num ambulante que fica na rua com uma televisão, mostrando que pega todos os canais. A antena é tosca. Nem eu acredito que paguei dez reais por um objeto de plástico e metal que parece ter sido confeccionado por uma criança com sucata. Ela lembra uma chave inter-dimensional usada em filmes B de ficção dos anos 70. É realmente engraçado.

Ao mesmo tempo, eu vi a diaba funcionando. E, vamos combinar: antena para pegar TV não é exatamente a coisa mais high-tech do mundo, vide a boa e velha tecnologia do chumaço de bombril.

Tenho a esperança de que, uma vez lá em casa, a chave eletromagnética tire o chuvisco da cara de Jack White na MTV e me transporte para uma nova dimensão de cor e imagem.

sábado, março 22, 2008

(des)Encontros

Já eram quase seis da manhã. Nós dois, nus na minha cama, conversávamos sobre músicas, filmes, viagens, desejos realizados e pequenos sonhos de consumo. Tinha meu braço ao redor dela e sua mão pequena espalmada no meu peito. Quando ela falava, eu olhava direto para seus olhos pretos e sua boca. Ela já tinha mencionado ir embora duas vezes desde tínhamos dado o último suspiro da transa. Eu não queria que ela fosse. Me sentia tranquilo ali, passando as pontas dos meus dedos em sua pele macia. Ela também parecia querer ficar, já que não deixava o assunto morrer. Sorrimos várias vezes.

Até que o sol ficou mais quente e ela levantou preocupada. Seus pais não poderiam saber que ela dormiu fora de casa. Isso era curioso. Em nenhum momento eu havia me dado conta que tinha trazido uma garota para o o meu covil. Me sentia tão menino quanto ela, meio embriagado, meio alegre, meio sedutor e sozinho. Ela tinha o carro. Ela me chamou para deixar o bar com pequenos gestos sacanas.

Ao lado da cama, ela se vestia sem pressa, mas com convicção. À luz do dia, pude dar uma boa olhada em seu corpo. Não era nada excepcional, sem muitas curvas. Peitos pequenos e até um pouco murchos, mas que tinham me deixado satisfeito por tê-los em minha boca. Sua beleza estava no frescor de quem passava há pouco pela adolescência. Estava em ser ela.

Sorrindo comigo mesmo, alcancei com a mão a carteira de cigarro. Perguntei se ela se importava, fez que não com a cabeça, tentando disfarçar o incômodo visível em sua face, esgueirada entre suas mechas pretas escorridas. Seu rosto era, definitivamente, doce e bonito. Ainda que suas mãos e sua boca não soubessem bem o que fazer, ela me encheu de prazer com seus sons. Havia tempo não me sentia um descobridor conduzindo uma pequena aventureira. Ela tinha potencial. Seria questão de tempo para ela me virar do avesso.

Acompanhando seus movimentos de partida, imaginei que, como todas, é provável que ela fosse querer demais. E eu não toleraria seus percalços juvenis - família, horários, mudanças de fases. O ímpeto de abraçar o mundo. Com toda aquela mansidão dengosa, ela seria problema. Seu corpo me dizia isso, enquanto ondulava emoldurada pela fumaça do meu Carlton.

Ele me assistia da cama com seu olhar maduro. Eu tentava fazer tudo sem aceleração para não deixar claro que sentia como se estivesse fazendo algo de errado. A luz da manhã me deixava mais nua do que eu gostaria de me sentir e agora eu tinha vergonha de meu corpo tão exposto. Na hora de me despedir, vou beijá-lo no rosto. Não quero que apareça que dei importância demais a este encontro. Foi bom. Eu gostaria que acontecesse de novo, mas eu sei que ele é problema. Essas roupas descoladas e a fala de poeta...

- Gostei de passar a noite com você, mas agora eu realmente preciso ir.

Parece que ela hesitou ao se despedir. Fiz questão de dar-lhe mais um beijo na boca, sentir novamente aquela umidade suave.

Ele me beijou. O que isso significa? Preciso tirar isso da minha cabeça. Sempre acabo com o coração partido por homens dizem gostar de jazz.

sexta-feira, março 21, 2008

Holiday, celebration Come together in every nation

Não tenho nenhum medo de trabalho, mas realmente acredito que tudo precisa de limites. Estou puta por trabalhar hoje, Sexta-feira da Paixão. Nada de religiosidade, mas feriados são sagrados. Tá foda. A semana foi bem estranha - para não dizer assumidamente ruim. E agora mais esta. Passei dias esperando por um e-mail que jamais chegou, levei um fora tácito, trabalhei todos os outros dias até mais tarde para não precisar sacrificar o feriado e... Adiantou alguma coisa?

Por que é que um profissional em nosso país precisa viver assim, hein? Em outros lugares, gente que trabalha sem parar são os milionários viciados, insensíveis, quase sem vida pessoal. Eu não. (ainda) Acredito no ócio e na poesia. Acredito na importância de ir ter com os amigos e a família. De dormir sem hora para acordar, até o corpo sorrir satisfteito. Gosto de feriados e de falar coisas belas e banais, absolutamente sem compromisso de serem produtivas.

Parece que é para ter vergonha disso. É feio cultivar a liberdade de não fazer absolutamente nada por alguns instantes. Perde-se a moral quando não se tem o tempo completamente ocupado por afazeres e atividades. É errado pedir férias para viajar com os amigos ou dizer "não. não vou fazer isso porque hoje é meu dia de folga" ou "porque já passou do horário do expediente".

Tudo é urgente. Tudo é de última hora. Todas as coisas precisam e devem ser resolvidas imediatamente - por telefone, por e-mail, fax, celular, qualquer coisa que localize. A eficiência nos tranformou em escravos.

A urgência da contemporaneidade tornou a vida adiável.

quarta-feira, março 19, 2008

Camisetas e legendas de personalidade

Nesta semana fui a audiência contra uma companhia aérea. Me arrumando, estava preocupada em parecer sóbria. Vesti uma saia preta que ia à altura dos joelhos e comecei a escolher uma camiseta com o mínimo de personalidade possível. Uma blusa era muito transparente, a outra decotada. A verde com a inscrição "Cuidado com o cão" e um diabinho desenhado não servia. "Só o chocolate salva" também não me pareceu apropriado, apesar da cor clarinha e neutra. Acabei com uma vermelha, com o desenho de um disco de vinil no meio do peito, onde tem escrito bem pequeno, no que seria o rótulo "vinil is not dead". Achei que era razoável.

Final de tarde, na sala da audiência, corria à revelia. Papo descontraído entre advogados e eu no meio. Fiz alguns comentários que por um instante me fizeram o centro das atenções. Oh! Como é espirituosa a jornalista!

Daí a pouco, o advogado de outra causa - da Telemerda, por sinal - vira e fala: "É... O vinil não está morto". Olhei para mim mesma, enquanto se iniciava ao redor uma discussão sobre vinil, bolachas raras, a diferença de qualidade com relação ao cd, etc.

Não é que o tal advogado estava olhando pros meus peitos?

terça-feira, março 18, 2008

anfetamina, ansiedade e desconcerto


Hoje, por todo ontem e pelo amanhã
Tudo o que eu queria era um abraço assim

segunda-feira, março 17, 2008

Aprendendo a só ser

Faz duas semanas tenho uma companheira de casa. Lilica mora comigo de sexta a domingo, quando volta a Salvador para curtir os louros de sua fortuna feita no capinzal com seus ofícios de doutora. Recém-formada, deu um grito de liberdade e, até que se mude para São Paulo, como todo o resto da patota, vai fazendo treinamento instalada num apartamento charmoso no bairro boêmio da Soterópolis.

A convivência cotidiana com uma pessoa está tendo seus impactos. Ambas estamos nos adaptando ao compartilhamento de espaços, tarefas, utensílios e a coexistência harmoniosa de nossos temperamentos. Escolhemos passar esse tempo dividindo o teto, não é como família, que o destino enfia goela abaixo. Portanto, o diálogo tem espaço para ser claro, aberto e preciso.

Estão acontecendo coisas muito engraçadas. Tem, obviamente, a minha estranheza por ter alguém mais aqui podendo mandar nas coisas em pé de igualdade. Eu, filha única, taurina, há mais de um ano morando sozinha numa casa minha-minha-minha. Mas tem as descobertas mútuas, a busca de soluções para a organização das coisas da rotina e a companhia.

Lilica é estudante de psiquiatria, pequena, elétrica, comilona e treinada para expressar sua raiva. Eu sou um elefante branco que pensa ser um bicho-preguiça. Ela pula da cama às 7 e vai me deixando dormir, até encontrar uma brecha em meio às minhas ressonadas matinais para me ejetar da cama.

Nesses dias de maior contato, ela me contou coisas inimagináveis sobre sua história e me mostrou tantas outras características que eu desconhecia. A mais curiosa delas é que Lilica tem um clown dentro de si. Tropeça, derruba as coisas, se atrapalha com tudo, esquece a chave do lado de fora da porta e sorri para começar tudo de novo, quase tranquila e feliz. Ao contrário de mim, que sempre solto um "disgraça!" ou exclamação mal-educada que o valha.

Lilica faz a linha fofa e discreta. Eu sou desbocada e uso roupas em que sempre sobra cor ou falta pano. Ela tem cabelo curto e liso. Eu cultivo uma selva de ondas e cachos. Ela faz dieta dos pontos. Eu como comida a peso e ando tomando shake dietético. Eu cozinho utilizando o microondas. Ela ficou fascinada com o resultado do arroz e do ovo frito sem gordura. Eu conto meus sonhos. Ela analisa. Eu senti uma dor na perna. Ela disse que era distensão muscular e me sugeriu anti-inflamatório. Ela acende as luzes de todos os cômodos por onde passa. Eu mando economizar energia. Ela tem um namorado em São Paulo. Eu sou excessivamente independente. Eu acho que ela está testando a evolução da minha terapia. Ela acha que a gente não deve dar tanta importância ao que os outros acham.

Quando a apresentei ao servente do prédio, ele perguntou se éramos irmãs. Deve ter sido pelos óculos de acetato - os dela são pretos e estreitos, os meus, brancos e enormes.

Com a chegada de Lilica, minha casa deu praticamente um ultimato com relação às coisas que eu pareço fazer questão de manter com aspecto de provisórias. Até hoje há caixas debaixo da minha cama. Até hoje não mandei pintar a estante de aço. Até hoje não há armário no banheiro e faltam outros móveis de guardar ou assentar as coisas. O resultado é meu quarto ter virado a caixa de Pandora. Parei abismada diante do monturo de coisas e não fazia idéia de por onde começar. Eu sempre acabo fazendo arrumações "cosméticas". Preciso me esforçar para que pelo menos as áreas de convivência fiquem em ordem - banheiro, cozinha, sala. Armários e prateleiras também me provaram sua serventia.

Com tão pouco dinheiro e tantos planos... Tão pouco tempo. E como tudo pertence ao tempo, tenho a certeza de que na hora em que eu pensar ter terminado, é momento de começar tudo de novo - reformas, reparos, novas roupagens, a constante reorganização.

A presença de Lilica - ainda que tão provisória quanto parece a minha casa - já está me dando muito material para pensar.

E se eu não enlouquecer, eu cresço.

quarta-feira, março 12, 2008

Burn this city

Aaaaaaaah! Nada como chegar ao trabalho de manhã e dar de cara com um carro de bombeiro na porta do prédio. Vermelho, imponente, quase surreal. O velho palácio sorri de janelas escancaradas.

Trabalhar numa repartição pública instalada num prédio secular tem dessas coisas. É bonito, é histórico, mas é decadente e ameaça a integridade física das pessoas. [DRAMA QUEEN MODE: ON]

Rolou um pequeno incêndio lá na fundação hoje pela manhã. Ontem tinha sido um curto que quase pipoca nossos computadores. Há umas duas semanas, as salas da comunicação amanheceram inundadas. Teto em cascata, computadores fazendo nado sincronizado, uma beleza.

E isso não atrapalha o andamento do trabalho? Muito. Se a gente fosse da velha escola do servidor público que coça e balança o saco, tudo bem. Só que a galera se ferra mesmo, porque todo mundo tem coisa com'a porra pra fazer e esses incidentes tiram o sossego de qualquer um. Isso para não mencionar que revelam a fragilidade da infra-estrutura em que estamos enfiados.

Gosto de trabalhar em cartões postais - não é raro subir ou descer o Elevador Lacerda como parte da minha rotina - mas os prédios precisam de reformas, adaptações e, acima de tudo, conservação. Isso me chateia bastante, dá a sensação de estar operando em estado de guerra. Você passa o dia todo fazendo uma ginástica da porra para resolver problemas simples e no final do expediente fica aquele fardo de cansaço, mas na prática, pouca coisa rendeu. A lista de tarefas permanece ali, gordinha e crescendo, como Joãozinho na gaiola da bruxa.

Hoje eu queria ser daquela banda de pagode (ou seria de forró?): Clone de Mim. Mas queria um clone profissional à altura, não um anão bizarro e malemolente. Por favor...

terça-feira, março 11, 2008

são quase duas da manhã. cabeça cansada, olhos mais que abertos. eu preciso desacelerar antes de entrar na atmosfera macia e aconchegante da minha caminha, mas até minutos atrás estava escrevendo, produzindo e traduzindo textos, tentando tirar leite de pedras, essas coisas. meu estômago, que se apropriou indevidamente de um bocado de pastéizinhos doces e uma lata de coca-cola agora sente o revés de comida calórica e pouco nutritiva. não queria comer mais nada porque, teoricamente, estou de dieta. "mas você comeu por volta das 5 e meia da tarde, criatura!" hm... er... ok, talvez realmente seja hora de me alimentar novamente e descansar em paz.

esqueci de comprar o chá de camomila - ou valeriana, que segundo me disseram tem o mesmo princípio ativo do valium, mas é uma erva natural e não pode te prejudicar. mas tudo indica que o frisson em glitter acabou e eu posso voltar a dormir sossegada com meu vazio de cotidianidades.

viu só? era alarme falso. nada de legal vai lhe acontecer.

Carla Perez é tremibunda

Resultado da pesquisa de mestrado de Cristiano Canguçu ou
Coisas incríveis que a gente descobre ao procurar por sinônimos

Domingo. Brilhinhos da noite ainda reluzem no dia claro, nos olhos e na pele com aspecto de pós-sexo, apesar de a verdade ser imaculada feit'a Conceição. Uma pitada de atenção pode fazer milagres, mesmo com pouco sono reparador. Manhã preguiçosa, comidinha light, conversa fiada, caracteres corajosos.

No fim de tarde, uma enxaqueca e trabalho acumulado que nem pratos sujos numa casa solteira. Praticamente debaixo da minha janela, uma serenata infernal com forró ordinário a decibéis inapropriados para a audição humana. Jurava que poderia enlouquecer, já que estava com saudades do Psirico que tocava meia hora antes da coisa tornar-se insuportável.

Por que as pessoas riem quando eu conto isso? Será que ninguém tem respeito pela atmosfera soturna necessária a uma casa com uma vítima de enxaqueca?

Vou parar de enrolá-los. A verdade é que este post deveria ser completamente diferente, mas fica aqui procurando subterfúgios para ser interessante. Não tem como. Há dias venho acumulando idéias, pensamentos, insights... Mas com a minha memória de tubarão e o meu cansaço - já passa das 21h e continuo na repartição onde trabalho - as palavras se espremem e escapam pela tangente. Escapolem junto com os fios de cabelo estressado. Aí acontece isso.

Melhor deixar para outra hora.

Parabéns, Cris, que conseguiu concluir sua dissertação e acrescentar novas e fantabulosas palavras ao nosso vocabulário.

sábado, março 08, 2008

eeeeeeeeeu?

Sábado, fim de tarde. Toca o celular.

- Oi, Ju! Estou com uma dúvida, não sei bem para quem ligar, mas acho mesmo que só você poderia me ajudar. Qual é o adjetivo que se usa para descrever uma pessoa que se importa mais com as sensações do que a moral?

- Hedonista?

- Isso! Obrigado.

quarta-feira, março 05, 2008

Arquitetura à Baiana


Alguém devia mandar prender - ou pelo menos cassar a carteirinha do conselho - o arquiteto que bolou o Centro Médico Empresarial da Garibaldi. Com uma fachada e nome gigantescos, não há nenhuma indicação do número - depois achei-o, numa das entradas, com letras menores e meio escondido. Tudo bem que em Salvador pouco se usa numeração para indicar endereços, mas isso é um detalhe quase sem importância perto do labirinto do Minotauro que é o prédio. A ponto de nem os funcionários ali se entenderem com o espaço.

Convido-os agora a um exercício de compreensão. O prédio tem dois blocos: A (empresarial) e B (médico). Quando você chega a qualquer uma das entradas principais, o que está diante da porta? Alguém sugeriu "portaria"? Indicação do bloco? Acertou quem falou "parede de armários de madeira da Telemar". Afinal de contas, o acesso precisa ser mais fácil para os técnicos da telefonia do que para clientes ou pacientes.

Vendo a minha expressão confusa, um funcionário me interpela. "Bloco B, sala 320". Ele me indica a próxima entrada. Sigo em frente, entro e diante do elevador placas de sinalização parecem querer dizer alguma coisa. Parece, não tenho certeza. Entro no elevador aberto parado no andar. Ok, todos os botões estão aqui, aperto o 3. Salto no andar, viro à direita, bifurcação sinalizada: salas 301 a 310 para um lado, 312 a 318 para o outro. Nem sinal da 319 ou 320. Experimento pedir informação na recepção mais próxima - o outro lado tem um longo corredor escuro.

O cara que conversava com a recepcionista começa a me explicar que não era ali e qual caminho eu deveria tomar, mas logo se impacienta e prefere me levar até lá, crente que eu não vou acertar. Ele me faz subir os degraus de uma escada atrás de uma porta próxima ao elevador de onde eu vim, desembocando numa garagem. "Vá até o elevador lá do outro lado e o ascensorista lhe informa".

A garagem está cheia de carros, mas é sinistra. Um veículo preto e caro de vidros fumê avança em minha direção. Faróis desligados. Penso em Lynch. Chamo um dos elevadores à minha frente e novamente fico lendo e tentando decifrar sua placa. Se uma sinalização não é compreensível só de bater o olho, isso significa que ela é ruim. Eu dediquei minha compreensão e olhe que não sou exatamente uma criatura tapada. Era mais ou menos assim:

"BLOCO B"
Logo abaixo,
no esqueminha dos andares do prédio,
setinha apontava:
"você está aqui - 3º Andar, Bloco A".

Abre-se a porta da esperança. Um ascensorista. "Quero ir ao Bloco B, sala 320", digo. "É aqui mesmo!", ele responde. Entrei no elevador, já começando a imaginar se seria um 1/2 andar como o 7 1/2 de Quero ser John Malkovich. Subimos então para este outro terceiro andar e, finalmente, cheguei ao lugar certo. Da janela, dava para ver que a altura era realmente de um 6º ou 7º andar.

Na hora de sair do prédio, tentei esquecer de tudo e recomeçar do zero, usar a lógica simples: pegar um elevador e pedir que desça até a saída. "Esse aqui não vai não, senhora. A senhora desce e toma um outro elevador que vai até a saída para a Garibaldi". Novamente parei na tal garagem e no fim das contas, acabei na primeira entrada de todas.

Faz uma semana que passei por essa experiência. Repeti essa história para vários amigos estupefatos - infelizmente, nenhum arquiteto até agora - e por mais que eu pense, não consegui decifrar a lógica deste projeto.

Sucubus

Olhos de fome
Descoberta entre as pernas
Inchada. Molhada.
Cada palavra, um açoite
Cada gesto, um aceite
O que me diz?
Sempre quis

segunda-feira, março 03, 2008

Auto-ironia

A Trib_na-da-B@hia é o jornal local que segue a política editorial sanguinária, cujo maior expoente no país - ou pelo menos o mais comumente lembrado - era o Notícias Populares. Textos ricos em detalhes sórdidos, chamadas e manchetes sensacionalistas, cores de títulos berrantes, fotos explícitas de gente morta em acidentes e crimes são o diferencial deste diário. Agora eles resolveram anunciar para captar assinantes.

Num golpe glorioso de infâmia publicitária, o cidadão soteropolitano hoje se depara com um outdoor em que aparecem duas mãos torcendo o jornal e o seguinte título:

"Tribun_da_Bahi@. Esprema e assine".

SEN-SA-CIO-NAL!

domingo, março 02, 2008

Golden Shower

O problema não são os exames de rotina. É deixar que exames se tornem uma rotina. Uma agulhada no braço uma vez por ano não faz mal a ninguém. Duro mesmo é sair por aí carregando os próprios excrementos fora do corpo, acondicionados em potinhos. É comum, mas não deixo de achar de certo modo vergonhoso e ridículo. Lembro que quando era caloura na UFBA, a gente tinha que fazer uns exames e encontrei um colega na fila do laboratório. "Feliz dia da caca!", saudei-o entre esfuziante e irônica. Ele ficou completamente sem-graça e admitiu que estava constrangido, que tinha prometido ficar sisudo e agora eu tinha desarmado ele. Apesar da piada, não lhe tiro totalmente a razão.

Programei sair bem cedo para evitar filas, gente na rua e adiantar o meu lado. Me embananei com as horas e acabei saindo tarde demais. Sempre tenho a sensação de que todos que me vêem passar estão mirando o meu potinho. Óbvio que não é verdade, mas a paranóia não desgruda assim tão fácil. Ela incha como um bolo com a dose certa de fermento.

Outra sempressensação é o de medo que o xixi derrame Chego a ensaiar antes de encher o potinho. Abro e fecho a tampa umas duas vezes, testando a rosca. A vedação dos coletores é uma piada do acabamento tosco dedicado a objetos que nasceram destinados a receber dejetos - os mais sortudos deles transportam esperma. Até os coletores têm sua própria loteria.

Com receio do vazamento de urina, levo o potinho como se contivesse nitroglicerina. Cheguei a cogitar ir de táxi até o laboratório para evitar os sacolejos de um ônibus e problemas com o conteúdo delicado. Furar o braço não é nada perto desse trajeto tenso.

A fila de espera do laboratório está grande. Todo mundo com seus potinhos. Todo mundo na mesma merda. Todo mundo ali ser humano-bicho, que caga, que mija, escarra, vomita, entre outras coisas tão naturais. Percebo então que minha carga está vazando. Parece que sou uma velhinha despreparada, enxergando mal e já quase sem o tato nas mãos, com dificuldade para domar um coletorzinho de plástico. Bizarro. Uma lição de humildade.