sexta-feira, agosto 31, 2007

... em casa, três cervejas depois

Pronta para o baile. Maria-chiquinha, saia vermelha rodada, peitos empinados, louca para dar. A menina conta as horas, conta os homens, manda torpedos com cantadas flamejantes enquanto espreme um joelho contra o outro. Não, agora não é desejo, é só vontade de fazer xixi. Sonha com caralhos rosados e noites úmidas que nunca foram passadas sobre camas de dossel. É uma vontade quase virgem, em que os príncipes encantados continuam sendo brancos de olhos azuis - mal sabe que a maior chance é que mãos negras e lábios negros carinhosos percorram seu corpo antes que possa dizer ABRACADABRA.

Ela devaneia com uma viagem à capital. Uma viagem de ácido, mas só de pensar na droga suas faces ficam em carne viva, tamanha prudência e recato dos seus hábitos - mesmo os mais secretos.

Abre a porta e já se vê com um cigarro na mão. É tão equivocada, coitada, que poderia tentar acendê-lo pelo filtro antes de se engasgar com uma baforada mal-tragada. "Se tudo der errado, chupo seu pau no carro no final da noite e todo mundo sai ganhando", sugere ao garoto que gosta de garotos. Sua coragem jamais deixaria que essa frase tivesse chance de ser levada a sério.

Então parte. A noite a envolve entre suas asas embriagadas de estrelas apagadas sob as nuvens rosa de chuva. E a menina começa a dançar.

terça-feira, agosto 28, 2007

Sincronicidades

Gente mudando ou querendo mudar de emprego. Amigos que partem. Egos em transformação. Setores em fase de reestruturação. Aquecimento global e crise existencial. Tudo. Ao mesmo tempo. Agora. Acontecendo comigo, com você e o seu vizinho. E com os amigos desconhecidos do seu vizinho. Naquela mesa de bar que nem é a sua. Em outro país. Em outro planeta? Enquanto isso, você ainda busca a tal cara-metade. Cada um anda é por aí em bando, sem banda. Aos pulos, como o Saci Pererê.

"Escrevo eu. Eu. Eu e somente eu. Meu monóculo voltado para o meu próprio umbigo. Será que não consigo conjugar os verbos se não for em primeira pessoa?", ele já se encontrava à beira da exasperação quando decidiu pelo exercício que beirava o ridículo de falar em si mesmo na terceira pessoa. Enquanto isso, numa capital litorânea, a outra já se pegava tão perdida entre idéias, que trocava palavras, esquecia o significado das coisas e chegou ao sacrilégio de atribuir o Davi ao Da Vinci. "E ela que nem mesmo admitia que se pronunciasse Rodin errado", ele teria lembrado com a soberba que era peculiar ao grupelho.

Sem tesão, não há solução. Nome de livro virou clichê da sabedoria pós-moderna, trans-contemporânea, interestadual e extra-planetária. Jovens de uma geração suprema em prazeres, delírios e desgostos incorporam a máscara blasé dentro e fora das boates, num tédio infinito da vida de dificuldades triviais e fúteis demais para provocar ebulições em seu instinto de sobrevivência. Libido em grau zero. Sexo sem suor. Trabalho sem lida. Cultos sem adoração. Corrida sem adrenalina. Litros de álcool sem embriaguez. Cinismo exacerbado. Deleite encaixotado em algum pormenor de ingenuidade fora do alcance das grandes metrópoles - ou daqueles que com elas sonham, enquanto maldizem a vida ingrata das províncias espalhadas pelo mundo que há muito desaprendeu que porra é civilização.

Idéias brilhantes nascem e se perdem todos os dias nos furacões de discursos, falácias, notícias da moda, desinformação e efemeridades. As que sobrevivem muitas vezes são os insights mais dementes que, porventura, foram levados até as últimas consequências. Quantas vezes não ocorre um aborto mental por pura impossibilidade de gestar imaterialidades pelo tempo que é necessário? Diria agora que, na atual dinâmica das coisas, somente o ser humano continua levando o tempo imprescindível para que fique pronto - mas isso é mentira, podemos ver com o aumento do número de prematuros que conseguem resistir e virar gente. A que preço, em poucos anos saberemos, mas talvez já seja tendência 'otimizar' também o tempo de uma gravidez.

É possível que o tesão esteja mais intimamente ligado à paciência do que imaginamos. Ela se esgota e lá se vai ele também, minguando até resistir somente como um fio frágil que se parte quando temos dificuldade de articular essa com aquela palavra. Juntar um e outro pensamento, que ainda estão distantes e precisam de tantos outros que teçam o labirinto-trajeto entre eles. Uma idéia simples muitas vezes brota de um emaranhado de sabedorias. Como Picasso, que levou uma vida inteira para, como ele mesmo dizia, aprender a desenhar que nem criança. E as conclusões elaboradas dependem da fidelidade e entrega de fiandeiras ou bordadeiras de mãos delicadas, essas cujas obras recebem paga tão pouca.

Nesta cobra que morde o rabo, escorre o tesão.
Devolva-me!

quinta-feira, agosto 23, 2007

Costume e adaptação

A gente se adapta a praticamente qualquer coisa. Ser humano - a única espécie presente do Alaska até o Deserto do Saara. Pois eu me adaptei à cozinha sem luz. Ao escritório sem luz. Isso na minha casa e não sem gerar algum constrangimento diante de eventuais visitantes. O eletricista fez e refez um serviço meio porco e praticamente durante todo esse tempo em que estou morando lá, ando sem luz nesses dois ambientes. A lâmpada do escritório se recusa completamente a acender, enquanto a da cozinha brinca de poltergeist - pisca e acende quando dá na telha.

Como solução, enfiei uma lâmpada ultra-potente na área de serviço, que ilumina de relance os dois cômodos. Meio patético, assim como o fato de meu escritório guardar também o cesto de roupa suja.

É questão de costume.

(ok, depois de tamanho silêncio isso não é exatamente a melhor forma de retornar a postar. vou me esforçar mais em menos tempo. prometo!)