sábado, agosto 26, 2006

Terrível

Entrei no elevador e dei boa tarde a uma mulher e uma garotinha que já estavam lá dentro. A porta de madeira se fechou atrás de mim e, logo em seguida, a porta da cabine propriamente dita. Nesse momento, a garotinha, com olhos grandes e certa perplexidade comentou: "Quando isso acontece é terrível!". Terrível, uma palavra forte e dramática demais para aquela pequena, que deveria ter entre 6 e 10 anos - não me recuso a arriscar, porque além de ser péssima para avaliar a idade dos outros, o vocabulário das crianças está cada vez mais enganador.

"Por que é terrível, filha?" A menina falou um monte de coisas meio confusas para esticar seu terrível tão preciso e revelador, numa sequência de explicações ligeiramente desparatadas, querendo rapidamente dar conta de alguma constatação trágica. "Ah, então você estava querendo dizer que essa porta é perigosa, não é isso?", a mãe tratou de dissolver e logo aplicar uma lição para a vida toda, talvez acrescentar um novo conceito à imaginação da guria. Ela se conformou e acabou concordando, abriu mão do seu poderoso terrível.

Nessa hora, pensei em lhe dizer que um menino já havia perdido a cabeça do dedo no fechar daquela porta - e é pura verdade! - mas acabei desistindo. Talvez isso criasse uma cumplicidade entre a criança e eu. Aí sim seria terrível.

comentários

por algum acidente de percurso, os comentários estavam só liberados para "associados", mas agora é feira. pode clicar!

quinta-feira, agosto 24, 2006

O Romantismo que me dá nos nervos

Ser "muderno" e ser romântico são duas coisas que não combinam, de acordo com a polícia do bom gosto. Quer dizer, se for emo, tá valendo. De cara, isso corresponde a dizer que romantismo tem prazo de validade e combina com o ridículo da adolescência - sim, porque adolescentes são ridículos, somente eles, os pais e os pedagogos para levá-los a sério. Gente comum, passada a fase, se dá conta disso.

Pois bem, a cafonice e o demodê foram de tal forma incorporados à idéia de romantismo, que ninguém mais quer se admitir romântico. Lembro de uma amiga minha que tinha pruridos só de ouvir a palavra, mas quando conheceu a coisinha do coração, disse que gostaria de dividir todos os seus livros e discos com ele. Isso é ou não é romântico?

Eu, cá de meu lado, acredito no romantismo sim. Acho que o romântico tem a ver com coisas muito belas. Me assumo como pessoa romântica, ainda que uma pequena dose de cinismo, as desilusões amorosas e o corre-corre de todos os dias tenha roubado todo o meu estímulo e criatividade neste campo. Mas acho que você pode ser romântico de coturno, pós-graduado em cibercultura, dj da última moda ou estando dotado de qualquer outro selinho pós-moderno que o valha.

A questão é que há, de fato, a vertente do romantismo piegas, feito de açúcar, baba de moça e vestido rococó de heroína de novela de época. Acredito até que tenha lugar pra ele - aliás, há lugar pra tudo no mundo, o que dói é o exagero. E este romantismo sim é o que me dá nos nervos, na sua exploração excessiva, na barra forçada de enfiá-lo em tudo que há na vida, como se fosse obrigatório para a existência humana. Um dos campos em que isso aparece bem e realmente me tira do sério é o tal do cinema hollywoodiano.

Há alguns posts atrás comentei um filme que ia até muito bem, até descer ladeira abaixo nos clichês românticos. Pensando rapidamente, consigo lembrar de pelo menos duas outras obras em que o mesmo problema me chamou a atenção: uma das continuações de Matrix e V de Vingança. Em todos esses casos, existe uma trama engendrada por uma causa humanitária, na qual estão engajados um homem e uma mulher que partilham dos mesmos ideais. Segundo a lógica desse formato babaca do amor romântico, não pode haver um outro sentimento maior entre um casal que não seja a paixão. Porque, nos dois filmes, o desejo erótico passa fácil por cima da admiração pelo herói enquanto alguém que batalha por uma idéia.

Vejamos: no Matrix a que me refiro (creio que seja o Revolutions), a morte de Trinity, que deveria ser de uma guerreira, passa a ser em defesa da vida do ser amado. Amado como homem, não como herói. Damn shit! De guerrilheira, a personagem desce à categoria de mulherzinha! Já em V de Vingança, na minha opinião, aquela revelação final de amor dilui um bom pedaço do caráter dos personagens. Discretamente, isso me deixa possessa.

No final das contas, como se não bastasse a banalização patética do amor, da paixão e do tal do romantismo, não é exagero dizer que as tramas perdem o sal ao escancarar o que poderia ser uma incerteza - uma tensão sexual não esclarecida ou resolvida entre personagens poderia instigar muito mais o público e sua imaginação fértil.

Durona coisa nenhuma. Eu adoro histórias de amor. Mesmo. Com ou sem drama. Há várias que me comovem - seja alto-astral, como Amélie Poulain, seja melancólica, como As Pontes de Madison ou mal-resolvida, como Felizes juntos. Outras nem tanto. Mas confesso que estou cansada dessa exacerbação da importância do sentimento amoroso. É como se não houvesse mais nada na vida. Lá se vai política, a poesia, a amizade, a violência e uma porrada de outros temas que muitas vezes são diluídos nessa água com açúcar.

Amor, faço questão que seja de verdade. E que não me deixe de fora de tudo que acontece no mundo.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Ando insuportável com esse humor que vacila e oscila dia a dia, como um tabuleiro de xadrez. Nos dias bons, levanto até mesmo antes do sol. Como devagar e escolho música de manhã cedo. Sou capaz até de sorrir para as crianças na rua e dar trela para os desesperados que puxam conversa com desconhecidos. Tudo parece bem e contornável, com a aposta de que 'amanhã será um lindo dia', como diz a música piegas. Não me censuro por pensar assim.

Nos dias virados, a dificuldade começa logo nos primeiros minutos do amanhecer. Me encolho inteira em um cantinho da cama, até ser inevitável levantar já com o corpo todo tensionado e dolorido. O café desce aos engulhos, nada me apetece. Nestes dias, atravesso as ruas sem olhar e tomo os ônibus sem ver direito a placa. Poderia desaparecer no minuto seguinte, que pouco me importaria.

"Coma frutas", diria um sábio oriental. E eu peço apenas para descer dessa maldita montanha-russa!

terça-feira, agosto 22, 2006

Ei, olha só o que eu achei

Acordei num desses domingos de ressaca e lá estavam eles: multi-coloridos e pan-sexuais, um grupo de cavalos-marinhos habitava o chão do meu banheiro. Ainda meio tonta, nem cheguei a me dar conta do surpreendente. Fui abaixando as calcinhas e sentando no vaso entre nauseada e sonolenta, observando os bichinhos mágicos. Eram uns 5 ou 7 se contorcendo no chão, mas quando se deram conta da minha entrada, subiram pelo ar em minha direção. As asinhas - eu sei que são nadadeiras, mas se eles pairavam no ar, eram asas, tão velozes quanto as de um beija-flor - zumbindo e eles girando ao meu redor com os olhinhos miúdos, ao mesmo tempo enormes para as suas cabeças, a me vasculhar inteira num acesso de curiosidade invasiva que somente os animais e a tv sabem ter.

A essa altura eu já nem prestava mais atenção ao barulho da urina fluindo para dentro da privada. Estava fascinada pelos cavalos-marinhos, tanto quanto eles estavam por mim. E logo começaram a me dar beijinhos, um de cada vez, se alternando com aqueles biquinhos gelados. Fazia cócegas e eu, como uma criança, ria. Comecei a rir cada vez mais alto e os cavalos marinhos a girar cada vez mais rápido. Até que eu caí para o lado sem defesa, a calcinha embaraçada nas pernas, o crânio direto no chão. Ainda estava rindo quando observei a poça encarnada que tingia o mármore cor-de-nuvem.

"Minha filha, você está bem?"

Sim, querida. Estou. Os cavalos-marinhos agora bebiam o meu sangue feito unicórnios em um desses vales encantados de fantasia medieval. Serenos, as asas nem pareciam zumbir. Mãe, e esses cavalos-marinhos?

"Ah, você gostou? Comprei ontem num ambulante. Trouxe pra você decorar seu apartamento. Eles não são uma graça?"

segunda-feira, agosto 21, 2006

Wolfmother

Li uns dois ou três comentários sobre esta banda e acabei correndo para baixar seu cd de estréia. Gostei. Tem um punch rocker reconhecido dos primórdios do metal com uma certa inocência. Algo meio selvagem, de quando cabelos transgressoramente bonitos eram longos e ensebados. Um liquidificador de (boas) influências. Não foi exatamente uma paixão imediata, mas mexeu com as minhas entranhas, resgatando um pouco da paixão adolescente por música pesada. Nada de vocais guturais, uma voz masculina melodiosa de timbre peculiar, situada antes dos gritinhos histéricos de bandas satirizadas pelo Massacration.

A música que mais me marcou - talvez porque eu tenha ouvido mais vezes- foi Colossal. Segue abaixo a letra. Melhor ouvir do que ler.

COLOSSAL

I saw the colossal landscape
Of which I never was a part
It was a magical day
Of which I’d never seen before

The first time I saw colossal girl
The first time I saw colossal girl

Such glowing mountains before us
Pillars of life all fade away
Of all the things I need to say girl
All of these woods are in my way

The first time I saw colossal girl

Well she's running to the hills again
Can you tell me if she'll ever return
She must be mother natures child
Cause she's runnin' to the call of the wild
She's talkin' to the trees again
Tellin' me that she's one of them
Lookin' at the bird in the tree
Though she's never gonna notice me

Oh is my love a confession
Will I just put it back today
If I had a love to give you
Would you still throw it all away

The first time I saw colossal girl
The first time I saw colossal girl

Well she's running to the hills again
Can you tell me if she'll ever return
She must be mother natures child
Cause she's runnin' to the call of the wild
She's talkin' to the trees again
Tellin' me that she's one of them
Lookin' at the bird in the tree
Though she's never gonna notice me

Can you remember the first time we met
Living together in colossal times
Some things are given with no reason why
Living together in colossal times

I'm just a gypsy with wondering eyes
I'll tell you secrets that send you to sleep
All I can give you is all of my love
These are the things I can give you to keep

I'm just a gypsy with wondering eyes
I'll tell you secrets that send you to sleep
All I can give you is all of my love
These are the things I can give you to keep

sexta-feira, agosto 18, 2006

Cats'n Dogs

I'm a cat kind of person, you know. Se eu fosse uma personagem fatal de um desses filmes independentes, minha primeira aparição começaria com esta frase. Sim, eu gosto de gatos. Me comovo só de observá-los, poderia perder horas acompanhando seus movimentos e suas manhas. Filhotes ou adultos, são seres absolutamente sedutores. Gosto até mais de gatos que de cachorros, o que por muito tempo poderia ser considerado falha de caráter. Hoje gatos estão, por assim dizer, "na moda", porque os habitantes da urbe finalmente descobriram que é mais fácil ter um gato que um cão dentro de seu apartamento e rotina apertadas. Felizmente, a razão prática foi uma excelente desculpa para induzir a paixão pro felinos em um sem-número de humanos. Só que isso é bem recente mesmo e ainda há quem realmente acredite que gatos são traiçoeiros e nojentos - como se a baba abobada de qualquer cachorro não fosse igualmente recheada de germes, bactérias e todos esses microorganismos que fazemos questão absoluta que fiquem longe dos bebês.

Antes que alguém pense que eu odeio cachorros - porque também inventaram essa dicotomia excludente e um tanto absurda - gostaria de comentar meu especial apreço pelos vira-latas. Isso mesmo, os SRD (sem raça definida, como é politicamente correto no mundo veterinário). Primeiro tem uma coisa de temperamento. Posso jurar que os vira-latas são cachorros muito mais solidários, bem-humorados e tranquilos do que qualquer cãozinho de madame ou com pedigree. Pelo menos os meus eram. A razão para isso? Não sei. Pode nem ser verdade. Mas também pode ser divertidíssimo tentar explicar isso por um viés sociologizante - o estigma da pobreza da raça, a união de um "povo" sob a identidade do preconceito, ou algo que o valha.

A outra coisa - e isso é para o bem e para o mal - é que um cão vira-lata é sempre um cachorro-surpresa. Praticamente um Kinder Ovo animal. No DNA todo misturado desses cães, com pedaço de tudo que é raça, você nunca pode fazer idéia do que vai ser daquele filhote. Só mesmo quando ele chegar à idade adulta. Então, cada dia que passa é uma nova descoberta sobre o seu cãozinho. E as divertidas tentativas de adivinhação, do tipo "hm... acho que essas manchas são de um Dálmata" ou " ele tem patas de Fila!". No fim das contas, muitos desses cachorros até ficam bem bonitos, mas a maioria resulta engraçado, com seus membros mal proporcionados. Tem cabeça grande em corpo pequeno, corpo grande com patas pequenas, focinho grande com orelhas pequenas, rabo maior que deveria.... As combinações de erros são praticamente infinitas. Uma piada da natureza.

Essa semana mesmo vi um cachorro catroca, todo serelepe sobre suas perninhas curtas e arqueadas. Ele me parecia feliz. Eu também fiquei.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Caminho pelas ruas falando sozinha para exercitar o silêncio.

Festa à fantasia

Tento reconstruir mentalmnete o trajeto do desejo. Encontrar o twist na conversa que mudou os caminhos de lugar e conduziu ao ponto inimaginável. A memória ligeiramente estilhaçada no momento do abençoado entorpecimento se apóia em efeitos mais longínquos em busca de uma narrativa histórica e coerente que termine naquele instante. Abandono as razões e sorrio. Dar vazão às vontades não tem preço, especialmente as curtidas e elaboradas com requintes do tempo, da impossibilidade e da ilusão. Olhos abertos no meio da madrugada, rumino os fragmentos resgatados entre a renda sutil do recordar. O corpo arde, incrédulo.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Amor sem fronteiras - filme



O título sugere uma bobagem romântica, mas os atores Angelina Jolie e Clive Owen dão coragem para investir um tempinho e assistir. A sinopse também não é exatamente das mais animadoras: socialite conhece médico que atua em causas humanitárias e se apaixona por ele - e pelas causas humanitárias.

Angelina e Clive realmente valem a pena. Bonitos e - mais do que isso - charmosos, estão bem em seus papéis que oscilam entre meros heróis românticos e personagens engajados. Angelina é puro sentimento em caras e bocas que, muitas vezes, são sutis, mas causam uma imensa mudança na tela. Clive carrega o cinismo e ironia britânicos, num personagem cheio de paixão pelo que faz, mas ao mesmo tempo endurecido justamente pelas tarefas que desempenha.

A primeira metade do filme reverte a fragilidade anunciada pelo título em português - em inglês, é Beyond Borders. A rica e aparentemente superficial Sarah, uma gata americana que migrou para a high society londrina através de um casamento de amor sincero, é tocada pela contundência do discurso de Nick Callaham, médico que literalmente luta contra as mazelas na Etiópia e faz um protesto invadindo um jantar beneficente. Daí, num arroubo heróico, ela resolve juntar umas 40.000 libras em suprimentos para levar ao campo de Callaham, no meio do deserto etíope cheio de esfomeados.

A virada é brusca, mas convence. Ela, comovida, começa a trabalhar no campo e aprende a se doar aos desesperados. Rola uma atração entre o casal, mas seu envolvimento com a causa é maior - ou seja, a tensão aparece, mas a importância de dar destaque a um problema mundial ganha visibilidade. Ponto positivo! Nesse espírito, são reveladas tramas políticas, estratégias de sobrevivência para o projeto humanitário, mostrando que mais do que coragem, empenho e jogo de cintura para ser voluntário, é preciso ser um verdadeiro guerrilheiro. A equipe de Callaham ganha ares heróicos.

De volta ao conforto da Europa, Sarah deixa o trabalho numa galeria de arte e vai trabalhar com uma organização da ONU. Mais uma vez, convincente: uma mulher que passou por uma reviravolta e foi fazer o que de fato estava a seu alcance. A amizade com a galera que luta no front humanitário continua e, favor de cá, favor de lá, ela acaba voltando a encontrar Nick no Camboja. Depois de momentos de tensão, violência, perdas materiais e humanas... O amor deles explode. E aí é que o caldo desanda.

Até então, o filme vinha fazendo uma interessante exposição da geografia da miséria no mundo, mostrando que a bagaceira rola tanto na aridez amarela do deserto africano, quanto na abundância verde e úmida de alguns cantos da Ásia - e depois, na brancura gelada do leste europeu. Tinha o excesso de heroismo da equipe humanitária - mas, convenhamos: se embrenhar numa parada dessas não é para qualquer um, principalmente se pararmos para pensar, um pouquinho só, na preguiça vaidosa da porção bem preparada da nossa juventude ocidental. Acontece que, quando a paixão entre os dois protagonistas vem à tona em beijos ardentes, cabelos penteados e cama simples, mas limpinha, os dois com cara de que acabaram de tomar banho no hotel, bem... Perde a graça, a sutileza, a força da narrativa que vem correndo ao mesmo tempo como mote e pano de fundo para a história de amor.

Daí pra frente, a transformada e corajosa Sarah passa a ser uma mulher meio desorientada pelo fogo da paixão (é um tanto ridículo mesmo). Ela larga de mão a coitada da razão e vai procurar saber onde foi que os rebeldes chechenos (ou foram os russos?) enfiaram o amor da vida dela. Abandona a família, o emprego, tudo. O equilíbrio vai para as cucuias e ela parte numa missão suicida. E quem perde é você, espectador, que se encontra numa finalização melodramática, aquela já anunciada no título piegas. Justiça seja feita, ele tentou avisar.

No final das contas, é isso que não entendo. Angelina Jolie é uma mulher bonita e talentosa, não sei porque se mete em tanto filme ruim. E Clive Owen, que parece mais centrado, também tem andado nessa corda bamba. Pelo menos os dois juntos promoveram uma das cenas de beijo mais eróticas que já vi. Ou então era o adiantado da hora...