domingo, setembro 24, 2006

Pato

babe, you're gonna miss that plane
antes do pôr do sol

Olhos alertas, porque as tentações estão à solta. Vozes sedutoras, propostas irrecusáveis. Tom mirabolante e depois vem a ressaca do vacilo. Muita grana e um milhão de possibilidades para ser o que quiser. Compre seu estilo com a venda de sua alma. A escolha é sua, Satan says. Perdição, até você estar suficientemente atento às manhas da cidade. A cara de turista não existe, mas a atitude. Nem mesmo pelo olhar é possível distinguir, mas pelas armadilhas onde você cai. Maioria delas é risível depois do bote, mas naquele instante, você é pato. São rituais iniciáticos, pelos quais você passa sozinho entre um e outro semáforo. Aprende na carne os mistérios das curvas e ladeiras encrustadas sob a névoa pesada do pó cuspido pelos carros.

Confesso ser impossível ser feliz no congestionamento. Paradas demais, tempo demais, pensamentos demais. Olhe só: o arrebatamento por SãoPaulo não foi o que podemos chamar de amor incondicional. Em meio à loucura, tracei metas de vida esquistíssimas e acho que nunca dei tanta bobeira em tão pouco tempo. Às vezes tenho a impressão de que, das duas uma, ou cheguei aqui e desliguei meu cérebro, ou o bichinho não aguentou o tranco. Na verdade, há ainda a possibilidade de ter me tornado uma serial killer de neurônios, com ressacas e noites mal-dormidas. Quase um Tyler Durden mode.

Minha conta bancária está parecendo um menininho do Afeganistão. A saída, conforme eu mesma alardeei, era ter sido amarrada no pé da cama há uns 4 dias atrás. Porém, onde estou hospedada não há cama, e sim colchões, o que inviabiliza totalmente um plano de segurança deste porte. Mais do que carestia ou barateza, o que arrasa o bolso é a variedade. Cometer uma loucura é daqui pra ali. E todos os dias dá vontade de cometer alguma daquelas bem boas! Me apaixono umas 7 vezes por dia (e tem lugares que triplicam essa estatística) e tenho desejos quase irrefreáveis de consumo umas outras 15.

Depois dessa aventura, muita coisa para pôr no lugar. E responder a perguntas muito, muito difíceis.

tira a fantasia de plumas brancas, coloca o bico amarelo sobre a cadeira ao lado e sai caminhando nua, somente com os pés grandes, também amarelos, que a fazem tropeçar

domingo, setembro 17, 2006

O tabuleiro do Banco Imobiliário

Eis que estou aqui andando com meu peão sobre muitos daqueles lugares dos retângulos coloridos. Brigadeiro Faria Lima. Av. Rebouças. Brooklin. Av. Paulista... Todos me perguntam eufóricos se eu já amei e eu acho difícil dizer isso de cara. Lembro do horizonte marrom da minha primeira manhã aqui e do incômodo no nariz e na garganta, que normalmente não sinto. Difícil ler e entender a gramática da cidade. Muita gente. Muitos prédios. Muitíssimos carros. Muita beleza. Muitos estilos. Muita in-for-ma-ção. Muito rápido. Em poucos dias entrei no frenesi da luta contra o tempo, cronômetro devorado dentro de ônibus, a vida consumida no congestionamento. Precisa ser tudo ao mesmo tempo agora para aproveitar a chance. Pouco sono, muito o que ver e o que fazer. Clima que muda de humor como um deus caprichoso. Ipês floridos derramam flores em minha bebida - estou aprendendo a viver de campari com energético for free. Uma árvore de 13 troncos me impressiona no Ibirapuera, que me impressiona com seus variados verdes depositado entre ruas, automóveis e gigantes de concreto. Amigos em todos os lugares, canais de delícias embriagados com a cidade louca. Surpreendentes paulistanos simpáticos capazes de dar trela ali do banco ao lado. Sonhos e vontades correndo que nem formiga por aqui e ali na babel de sotaques brasileiros. Todo mundo é de fora e já se fez de dentro. Abraço não muito fácil, mas amplo como um sombreiro de mãe. O que me faz lembrar: acarajé que dá calafrios só de olhar na Liberdade. Para ver, muito. Espontaneamente e guardado em galerias. Arte em movimento como as pessoas, que se fazem arteiras para não enlouquecerem, enquanto caminham pelas bolhas de ipod nas calçadas das maiores avenidas. Engarrafamento às 4:30 da manhã, é assim que fazem os que vão se divertir. Doidos, todos voltamos para casa satisfeitos por perambularmos tranquilamente entre os nossos. Grandes nomes aparecem no universo faiscando fama e glamour. A nós, resta adorá-los e amamos adorá-los. Amamos ter ao alcance poder adorá-los. Olhares a procura de companhia e meu cabelo sujo de dormir três dias pelas casas mais perto de onde passei. A máfia baiana é importante para ter carinho por aqui, porque todo mundo conhece de perto a depressão e seu melhor comprimido de abraço. Ou psicoativo. Meus pés ainda irão caminhar certos, quando a compreensão fizer o susto dar lugar a um certo fascínio de admiração. Ainda não amei. Em meu coração, este é um sentimento artesanal. Precisa de uma calma do oriente.

Isto é um barroco pós-moderno. Texturas e detalhes se sobrepõe. Somente o cuidado pode ser revelador. Tiro véu por véu de minha noiva, até que um beijo chega trazendo o fade-in que insinua o final feliz.

quinta-feira, setembro 07, 2006

monólogo de partida



Você parece que pega no ar quando estou decidida a ir embora. Do nada, vem com sua boca macia e palavras doces, agradecendo cada momento que passamos juntos e dizendo coisas para me fazer esquecer todas as dores que me amordaçaram até agora. Aqui onde estou, cresci bastante, é verdade. Porém, não posso deixar se dissiparem entre gratidões e esquecimentos todas as vezes que você insinuou que não sou nem a metade da mulher que você e eu gostaríamos que eu fosse. E a incerteza de estar ao seu lado porque você deseja ou se é apenas porque eu aguento? Todas as vezes essa história se repete. Basta um pedido de perdão com olhos arrependidos e, depois de deitar a cabeça no travesseiro, estou pronta para uma nova jornada de defeitos e insegurança. O que ganhei em troca, me pergunto. Sua vida apaixonante me devora inteira, mas também arrancou uma parte de minha alma. Meus pés no chão me transformaram numa burocrata de aparente pouca importância, mas que vira peça-chave sempre que arrumo minhas malas em direção à saída. Meu bem, de hoje em diante será diferente. Cada instante que não estiver ao seu lado, farei um esforço para me desprender deste laço. Sentirei dificuldade, eu sei, porque me acostumei demais com cada centímetro de esforço para alcançar este seu abraço lento e mordaz. Relaxei com a minha sopa de pedras, ração diária dessa nossa vida de dois desesperados. Vai ser melhor para você e para mim. Nenhum de nós precisa se agarrar a esta âncora, porque já estamos afundando. Hoje, você tem o pior de mim e eu de você, a quem mais queremos machucar? Larguemos de mão esta mina esgotada e partamos em outras aventuras, cada um escolha um dos braços desta estrada bifurcada. Que um dia nos encontremos por acaso, com trajes de gala em vermelho-rubi, em algum coquetel. Então poderemos sorrir, elegantes, com certa indiferença. OU então nos abraçarmos fortemente, desejando alcançar um fragmento de passado, com um amor inacabado e ameno, uma brasa amortecida pelo esquecimento de todos os espinhos do nosso traçado. Pense bem, se é isso mesmo que você quer, porque eu mesma não tolero mais. Mas não posso negar que fico lisonjeada com esta vida tortuosa que me oferece - uma emoção nova a cada dia, mesmo que seja limpar os restos de vômito da nossa bebedeira infame na última madrugada. Estou esgotada, amor. Confesso que continuar ao seu lado vai me inutilizar para qualquer outra vida e qualquer outro amante. Sua constante exigência apenas pelas minhas vísceras está desacostumando minha alma do calafrio das paixões e da montanha-russa das conquistas. Entre nós, é tudo plano. Você reage tão mal aos baixos, quanto aos altos. Sua constante insatisfação derrota a minha resistência, por isso transformei toda minha força de vontade em pura preguiça. Merecemos coisa melhor. E eu que cheguei a acreditar que você seria o ponto mais alto em toda minha história. Nas últimas horas da minha vida, o enxergava de mãos dadas comigo. E sei que você também admirou a minha bravura de enfrentá-lo sozinha. Encarar o desafio de entrar na sua vida com tanto verde no coração e durar o tempo que nenhuma outra ousou durar. Passei mais tempo e com menos exigências do que você esperava, não é mesmo? Por isso mesmo você acabou me fazendo pequenos agrados. Sou sua criada mais doce e submissa, o que você mais adora e o que mais lhe irrita. Às vezes você tira meu sangue e não derrubo uma só lágrima. Ou então eu lhe exploro na surdina, o convenço a pequenas degradações, achando justo por você ser um desalmado. No fim das contas, isso tudo me corrói. Se você viveu sempre assim e acha que está perfeito, compreendo. Mas eu tenho muito mais pela frente e minha cama eu arrumarei de outro jeito. Tenho alguns modos de menina fina que não combinam com os seus bancos de madeira rota. Não é dizendo agora que sou tudo o que você precisa para despertar a cada manhã que você vai me convencer permanecer esperando Godot. Todos os dias você acorda com os mesmos olhos vermelhos e incorrigíveis. Dou um basta. Ficará um pouco de mim em seu leito quando eu fechar as portas às minhas costas e sei que não há como sair recolhendo toda ponta de mágoa. Elas ficarão e sei que vão brotar. Por muito tempo, talvez. Um dia passa e nos encontraremos naquele coquetel. Inevitável encontro, porque já pusemos nossas vidas no mesmo fluxo - antes mesmo de percorrermos a mesma trilha. É hora de dizer adeus. Sairei por aí abanando meu leque para ver quem me oferece o preço mais justo. Seu lance não tem mais como ser o maior.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Desculpas

I don't wanna hear
I don't wanna know
Please don't say you're sorry
I've heard it all before
Madonna

Sorry
Is all that you can't say
Years gone by and still
Words don't come easily
Like sorry like sorry
Tracy Chapman

I would say I'm sorry
If I thought that it would change your mind
But I know that this time
I have said too much
Been too unkind
Cure

Já reparou como as pessoas pedem desculpas demais? E como não pedem desculpas de fato? Pedir perdão ou perdoar deveriam ser atos transformadores. Engendrados a partir de um - às vezes doloroso - processo de reflexão. Se pede desculpas como quem dá um bom dia, mas para as verdadeiras desculpas, sobra o silêncio. Às vezes, as desculpas em excesso são como um humilhante pedido de licença para existir.

Desculpe, que horas são?
Desculpe, qual seu nome?
Desculpe perguntar, mas...

Quantas vezes você já deu um basta em desculpas fugazes e inócuas? Aposto que poucas. Falta coragem. Como para perdoar de verdade. Ou se arrepender genuinamente e ter a generosidade de dizer - pedir desculpas acompanhadas de votos sinceros de mudança. Exercício e aprendizado precisam entrar nessa engrenagem para ser real.

No cotidiano... foi mal! está mais do que suficiente.