terça-feira, dezembro 18, 2007

Diário de uma cegueira

Faz alguns dias que não escrevo. Até tenho idéias, mas falta um pouco de paciência e sobra uma dose enorme de preguiça. Ando com preguiça de (quase) tudo. Salvador está quente demais, engarrafada demais, natalina demais... Nos últimos dias tenho andado pra baixo e pra cima de ônibus executivo, pagando o dobro só pelo ar-condicionado. Vale a pena, mas essa auto-indulgência tem que acabar antes que meu dinheiro acabe.

Pois bem, não vim aqui exatamente para escrever, vim mais para arranjar-lhe uma leitura melhor. Já ouviu falar do http://blogdeblindness.blogspot.com? Então, é o blog de um tal de Fernando Meirelles, um cara que acabou de filmar aí uma adaptação de Ensaio sobre a cegueira para o cinema. O blog é dedicado ao processo de criação e realização do filme, falado em primeira pessoa, com comentários bem próximos sobre terceiras pessoinhas como Julianne Moore e Gael (ai-que-delícia) García Bernal.

Como se não bastasse o fato de um diretor do porte do Meirelles estar escrevendo de maneira absolutamente subjetiva sobre um filme que tem tudo para ser interessantíssimo, o texto do cara ainda é muito gostoso de ler. Seus posts são enormes, mas eu sempre acabo lendo pelo menos dois quando passo por lá. Ele escreve com naturalidade, falando de seu cotidiano de trabalho sem deslumbramento - como aquele seu amigo designer, fotógrafo, jornalista, publicitário, etc. faria - mas trata de um universo fascinante para nós, pobres mortais, que é o do cinema. E não basta ser cinema, estamos aqui falando de estrelas de primeira grandeza em se tratando de talento e notoriedade.

O blog vale para cinéfilos e curiosos em geral. É adorável conhecer melhor algumas questões técnicas, os bastidores, o método trabalho de artistas tão badalados e competentes. Em suas narrativas, Meirelles desvenda para nós um pouco da mágica da 7ª arte, mas nem por isso a torna menos fascinantes. Pelo contrário, enche de ansiedade pelo resultado final, com a vantagem de oferecer ao espectador um monte de outras informações que certamente virão à tona ao assistir a cada cena.

E o texto do cara. Ah, eu já falei do texto, mas vou falar de novo. É uma linguagem simples e direta, mas tem uma identidade. É carregada de referências que vão se revelando com os comentários, na descrição e nos desdobramentos a respeito da concepção dos personagens, das cenas, de coisas que estão no processo do filme, mas que aparecerão indiretamente. É pessoal, opinativo como um blog mesmo, desses que qualquer adolescente pode estar fazendo hoje. Como esse aqui. Só que é de uma pessoa que tem muito a acrescentar por seu trabalho e faz isso com a humildade de quem está à vontade em seus próprios pés - com algumas eventuais inseguranças, com humor, com vida social, com macetes, com ansiedades, enfim, com tantas características humanas que muitas vezes esquecemos que os famosos e bem sucedidos têm.

É um blog que merece ser lido, pois independente de ser uma ferramenta promocional - para quem tem birras com estratégias marketeiras - é de excelente qualidade e um prato cheio e saboroso para quem gosta de cinema.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Novas descobertas



Está rolando uma onda de bons livros de arte a preços acessíveis aqui em Salvador. Livros novos, nas (poucas) livrarias. Numa dessas passadas de olho, vi um de Egon Schiele - que imagino ser alemão, mas logo a Wikipedia me diz ser austríaco, então eu agradeço à construção colaborativa de conhecimento.

Pois, o que me chamou atenção em sua obra foi a semelhança com o trabalho de Peter Chung em Aeon Flux, que é uma das minhas séries de animação favoritas, com sua atmosfera sexy, misteriosa, cínica e futurista. Quem conhece, há de concordar comigo - tanto que, procurando por imagens de Aeon Flux hoje mesmo encontrei um comentário que dizia exatamente a mesma coisa. Pela imagem com que abro o post, pode não fazer sentido, mas vendo esta, fica mais claro:



Queria escrever mais algumas coisas, mas ainda li pouco sobre o cara e não vi direito as suas obras. Só sei que deu um daqueles estalos que dá na gente quando gostamos instantaneamente de alguma coisa. Será mais alguém ao lado de Van Gogh e Rodin no meu coração?

A propósito: jamais me conformarei com o fato da bonitinha Charlize Theron ter sido escolhida para encarnar AEON no cinema.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Corações em fuga

- Mainha, eu vou pro inferno por namorar homem casado?
- Pior, minha filha. Teu coração vai parar no limbo dos mal-amados.

Aquele dardo flamejante atingiu bem no meio do grelo a minha tarde. Desfalecida em êxtase, perdeu-se a calma. Words of love and words so leisured / Words of poisoned darts of pleasure, alertara anteriormente o Kapranos com sua voz juvenil e trejeitos de lúbrico conquistador. As dúvidas multiplicam-se em interrogações que embaçam o cérebro e aceleram a alma. Alvos e opções variadas, insinuações vulgares ou nem tanto assim. A sinceridade receia borrar a maquiagem vadia e expor as veias do coração vagabundo.

Com quantos desejos se faz uma derrapagem? Tentando entender o mapa do deleite sem compromisso com reputação e pudores, elaboro o plano para armar a delícia e escapar da infâmia. Jogar o jogo sem azar, virar a mesa de dados viciados em honrada távola de damas e cavalheiros. Em meio a essa trama, eis que irrompe a flecha ardente inesperada incendiando o paiol guardado por prudência.

No peito assustado - ainda que arquejante mergulhado em volúpia - o coração prepara as trouxas. Tentará uma fuga desesperada madrugada entorpecida adentro, ofuscado por luzes coloridas e estroboscópicas, iludido por beijos lisérgicos de última hora. Sabe que basta um movimento apenas para que esteja rendido. Tem selo de blindagem, mas está exposto, de pernas abertas, umedecido e indolente. Foge, coração! Enquanto há tempo de não haver saudade.

Ele corre. Tropeçando em poças de álcool, resistindo à sedução dos olhos de sanguessuga, esquivando das mãos macias que tiram lascas de sangue. O tempo todo sente que vai cair em tentação, mas segue sem saber o caminho. Acredita que o destino é o descanso naquele abraço de confiança.

Foge, coração! Enquanto há tempo de acreditar.

sábado, dezembro 08, 2007

Meu amigo, o Anestésico

Passei a semana inteira em função de uma cirurgia odontológica. Coisa simples, apenas meia-hora, me disse o doutor. Antes, o pré-operatório, que incluia o uso de um enxaguatório bucal que me tirou o paladar por quatro dias (e continua me tirando). Depois, o repouso, que obviamente acabou sendo maior do que prometido inicialmente.

Tratei o assunto com simplicidade e sem dar tons espetaculares. Não saí por aí avisando aos quatro ventos, não fiquei planejando minha vida em torno da coisa, porque acreditei que era simples. Bem, foi um pouquinho diferente - só um pouquinho, mas suficiente para me causar transtornos.

Para não entrar em detalhes toscos que poderiam fazer os estômagos mais sensíveis embrulharem, o problema era raspar um pouco do osso da mandíbula para que o tratamento que estou fazendo possa andar. Já seria a segunda cirurgia deste tipo - a primeira foi tão tranquila que, um dia depois pude ir saltitante e serelepe para uma rave, carregando antibiótico e anti-inflamatório na mochila.

Na última quinta, sentei na cadeira, escancarei minha boquinha e só então me dei conta de que eu não havia me preparado psicologicamente para aquilo. Levei tudo tão na boa que esqueci toda tensão que envolve uma cirurgia, por menor que seja. Agulhadas, corte, sangue, ponto, broca, bisturi... Mas o anestésico, aahhhhhh... Quanta confiança no anestésico!

Ele entra pela agulha fininha, que penetra na carne quase sem sentir, provocando uma dorzinha distante e fofa, que se pudesse ser descrita como um som, seria de um sopro grave como uma tuba e se fosse uma cor, seria vermelho-vinho matizando para preto, como grandes almofadas de veludo. Vai entrando e amortecendo tudo, meio rosto, lábio, bochecha, língua. Ahhhh... o anestésico!

Começa então a sessão de corte e costura. Pelo tom do dentista, a tarefa era um bocadinho mais difícil do que ele imaginava. Aí começou a me bater a nóia do efeito da anestesia ir passando e eu começar a sentir dor de verdade. Como sinalizar isso, meu deus, sem dizer uma palavra? Gemendo, claro. Ok, problema resolvido. Procurei respirar fundo e relaxar, preceito básico das minhas aulinhas de yoga. Quanto mais tensa, pior a dor. Relaxa e goza, meu bem.

Começa a passar o efeito do anestésico. "Ah! Ah! Ah!". Tá sentindo? Tá doendo? Não estava exatamente doendo, mas eu não ia esperar pra ver. Manda chamar ele lá, o meu melhor amigo, numa seringa de agulha fininha. Aaaaaahhhhhhh... O anestésico!

Tomei várias doses, mas teve uma hora que não teve jeito. O tal do osso oferecia uma resistência desgraçada e não tinha olho fechado apertado que sinalizasse que eu queria mais anestésico. "Você tá sentindo dor ou uma pressão?". Porra, por que os dentistas fazem essas malditas perguntas com alternativas, quando vc tá com a boca escancarada e o máximo que pode emitir é algum som que sugira sim ou não? Levantei a mão indicando que eram os dois, por via das dúvidas. Mais anestésico, mas nada de diminuir o sofrimento.

Lembrei de quando tomei anestesia geral. Quanta felicidade! Uma morte temporária que engole tempo, espaço e ações. Num instante você está contando até 10 de trás para frente e antes de conseguir chegar ao 1, abre os olhos e já está devidamente acomodado e operado. Ah, a anestesia geral... Grande amiga.

Uma hora depois - e não meia, como ele havia prometido - minha boca podia ser fechada novamente. Quando saí da cadeira, vi que o pobre do dentista estava completamente empapado de suor. A coisa tinha sido feia mesmo. Em vez de me deixar trabalhar no dia seguinte, me mandou não sair de casa durante quatro dias. Hm... Não gostei disso. E ainda me passou um remédio fitoterápico que ele mesmo alertou de cara que tem o gosto muito, muito amargo. Pelo menos eu continuo usando o outro paladar killer. E tenho sorvete nas horas vagas para compensar.

Enfim, é por isso que neste final de semana eu não vou no Boom Bahia.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Nota Pública de Repúdio

É da Secretaria de Cultura e eu também assino embaixo.

A Secretaria de Cultura da Bahia repudia a destruição da imagem sacra de São Benedito da Igreja de Nossa Senhora de Santana, praticada num ato de fanatismo religioso e noticiada nesta terça feira, 4 de dezembro. Além da depredação de uma obra artística de valor histórico incalculável, a justificativa do agressor: "Quando olhei para o lado, vi uma imagem de cor negra segurando Jesus. Achei que era o demônio, sorrindo para mim" demonstra claramente motivações racistas e de intolerância religiosa.

É inadmissível que alguns cidadãos ainda levantem barreiras de convivência e incitem a violência contra a diversidade religiosa e étnica que constituem a sociedade brasileira. Infelizmente, o ocorrido revela um extrato da intolerância e do preconceito racial do cotidiano, mesmo em uma cidade como Salvador, que dá exemplo de convivência religiosa harmoniosa como demonstrada hoje nas ruas do Centro Histórico, quando católicos e adeptos do Candomblé uniram-se na devoção à Santa Bárbara e à Orixá Yansã.

A Secretaria de Cultura da Bahia, através do IPAC, e o IPHAN/ MinC garantirão a restauração da obra danificada, restabelecendo-a ao rico acervo barroco da Igreja e preservando a produção do artista baiano Francisco Manoel das Chagas, o Cabra, um dos mais importantes escultores brasileiros.

Marcio Meirelles, secretário de Cultura da Bahia

sábado, dezembro 01, 2007

Dias estranhos, sonhos esquisitos

Sonhei que tinha uma perna mais curta do que a outra. Beeeeeeeeem mais curta, tipo uns 5 dedos. E era um defeito adquirido por ter feito exercícios físicos de forma inadequada. E eu queria esconder isso de todo mundo. No momento do sonho, em específico, tentava esconder da minha própria mãe. Freud, com certeza, explica. Então eu saía caminhando canhestramente, num passo de 'aqui-tá-raso, aqui-tá-fundo', mais ridículo que assustador, que me provocou uma sensação bem desconfortável. Houve outras onirias desafiadoras na mesma noite de sono inquieto - antecedia um dia no mínimo curioso, logo depois de ter passado por uma breve experiência profissional bizarra na Soterópolis de contratos de boca e compromissos mal guardados.

Essa madrugada, cinema na minha cabeça. Estávamos eu e Fabi (que fez aniversário ontem) na calçada logo após uma curva no que depois dizíamos ser a Av. Paulista - provavelmente pq ela é de São Paulo, porque a rua apertadinha do meu sonho nada tem a ver com a avenida exuberante da terra de engolir baiano. Parecíamos estar assistindo ao trânsito passar. Caminhões de construção brancos e modernosos, uns dois ou três, passaram pelo trecho onde estávamos com dificuldade, como se não fossem completar a curva, derrapando. A gente sentia o perigo, mas não saía do lugar. Até que um enorme caminhão-tanque, igualmente branco, só que da Petrobras, cujo tanque de combustível tinha formato de uma betoneira, passou reto entrando numa rua e resvalando em cabos de alta tensão que fizeram o tanque se desprender e sair rodando pelo ar. Eu tive a certeza de que aquela porra ia cair, explodir escandalosamente e que nós duas íamos morrer. Então ele bateu no chão, quicou e - para minha decepção - somente pegou fogo no átrio de um prédio garagem. "Devia ter pouco combustível", comentamos e saímos sem nenhuma emoção. Acordei depois de pouco mais de 6h de sono.

O Dia

"Mas como você é amadora, Ju"
Rafabela Rossi

Dois ontens para um só hoje. Tem coisas que só parecem acontecer comigo mesmo... Aí é lançar um olhar de dichote e graça, porque senão é de enlouquecer.

Vendo a Espera em cena, lembro de como pensei em algum momento tê-la encerrado, no momento em que encontrei aquele personagem. E de como tudo se dissolveu, na verdade, para meu próprio bem. Estava sob o doce feitiço da sonoridade africana emanada por um músico de rua. Hoje continuo esperando, sem passividade, procurando farra, uma hora aqui, a outra ali, no vai-e-vem dos meus próprios quadris. Daí derivam os acontecimentos mais inusitados de reviravolta das micro-histórias humanas. All of a suden, voilá: uma puta divertida. Mais que de repente, alvos sensuais se tornam um pequeno problema e provocam uma manobra estratégica de quem sai da boate para evitar um vexame, ou que contorna um escorregão em cena com tamanha naturalidade, que leva os outros a acreditarem que aquilo jamais aconteceu.

Depois de embalar presentes com uma arte que provocaria grande vergonha à União dos Empacotadores Natalinos - com minhas maneiras, eu poderia causar embaraço em um sem-número de grupos humanos, como os jornalistas, as lésbicas, os corredores de marcha olímpica e as mulheres de salto-alto - o plano agora é lavar os cabelos, porque hoje tem Baile.