Golden Shower
O problema não são os exames de rotina. É deixar que exames se tornem uma rotina. Uma agulhada no braço uma vez por ano não faz mal a ninguém. Duro mesmo é sair por aí carregando os próprios excrementos fora do corpo, acondicionados em potinhos. É comum, mas não deixo de achar de certo modo vergonhoso e ridículo. Lembro que quando era caloura na UFBA, a gente tinha que fazer uns exames e encontrei um colega na fila do laboratório. "Feliz dia da caca!", saudei-o entre esfuziante e irônica. Ele ficou completamente sem-graça e admitiu que estava constrangido, que tinha prometido ficar sisudo e agora eu tinha desarmado ele. Apesar da piada, não lhe tiro totalmente a razão.
Programei sair bem cedo para evitar filas, gente na rua e adiantar o meu lado. Me embananei com as horas e acabei saindo tarde demais. Sempre tenho a sensação de que todos que me vêem passar estão mirando o meu potinho. Óbvio que não é verdade, mas a paranóia não desgruda assim tão fácil. Ela incha como um bolo com a dose certa de fermento.
Outra sempressensação é o de medo que o xixi derrame Chego a ensaiar antes de encher o potinho. Abro e fecho a tampa umas duas vezes, testando a rosca. A vedação dos coletores é uma piada do acabamento tosco dedicado a objetos que nasceram destinados a receber dejetos - os mais sortudos deles transportam esperma. Até os coletores têm sua própria loteria.
Com receio do vazamento de urina, levo o potinho como se contivesse nitroglicerina. Cheguei a cogitar ir de táxi até o laboratório para evitar os sacolejos de um ônibus e problemas com o conteúdo delicado. Furar o braço não é nada perto desse trajeto tenso.
A fila de espera do laboratório está grande. Todo mundo com seus potinhos. Todo mundo na mesma merda. Todo mundo ali ser humano-bicho, que caga, que mija, escarra, vomita, entre outras coisas tão naturais. Percebo então que minha carga está vazando. Parece que sou uma velhinha despreparada, enxergando mal e já quase sem o tato nas mãos, com dificuldade para domar um coletorzinho de plástico. Bizarro. Uma lição de humildade.
1 Comments:
pior que, quando chega a hora de ser atendido pela recepcionista, que diz: "coloque a amostra ali..so o potinho, sem a caixa".
nessas horas dà vontade de ter pintado a parte externa do potinho plastico de preto!!!!
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