segunda-feira, agosto 25, 2008

And she'll tease you

O que nos emociona é inexplicável.

Faz uns dez anos que vi o trailler de Duets, um filminho desses que já nasce destinado à sessão da tarde, já dava pra ver. O tema, para vocês terem idéia, é o universo do karaokê, mostrado como um grande catalisador de loucuras, desejos, enfim, um revelador das paixões humanas. Lembro de ter visto o anúncio no cinema, ao lado de um primeiro namorado ou coisa assim, e torci o nariz de cara. No entanto, mesmo com tudo contra, um detalhe entre aqueles pedacinhos de filme colados para dizer coisa que preste, me chamou atenção: Gwyneth Paltrow interpretando Bette Davis Eyes.

Sabe-se lá por que cargas d'água, aquilo me causou arrepios. O timbre, a linguagem corporal da personagem nos mínimos detalhes, são tantos códigos, que nem sei explicar. Fato é que me deixa de olhos molhados, um dardo direto em uma porção mole dentro de mim. Me deixa ao mesmo tempo feliz e lacrimosa, como uma saudade de algo bom que nos inspira. É muito torto escrever tudo isso, pois é um instrumento canhestro buscar definir com palavras e racionalmente uma série de sensações impalpáveis. É como a inútil tentativa de explicar a alguém o sabor de algum alimento sem fazer a comparação com outros sabores já conhecidos.

Desde então, uma curiosidade misturada com asco ficava guardada dentro de mim. Tinha uma vontadezinha de ver o filme, de saber em qual contexto aquela linda cena se encaixava, ouvir de novo aquela música... Ao mesmo tempo, intuir que era um produto de má qualidade, capaz de subestimar minha inteligência, e ainda queimar meu filme intelectual, me afastavam.

Faz uns dois finais de semana, venci os preconceitos e a vergonha. Completamente livre, despretensiosamente, aluguei o filme e encarei a verdade.

Well, very well... very well. Duets é realmente muito pior do que eu pensava. Não é somente simples e bobo, é completamente mal-resolvido, demorado, repleto de equívocos. Mas a cena da Gwyneth está lá e é realmente linda. Tem até umas palminhas graciosas que não apareceram no trailler. Porém, a música não aparece toda.

Nesses tempos de Youtube, melhor mesmo é ir direto ao que interessa. O fragmento solto na rede resulta muito melhor que a cena do filme: música completa e mais Gwyneth no papel de moça tonta, sexy e insegura. Lindo.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Criando pássaros

Desde que comecei os processos de mudança, há uns dois anos atrás, comprei um bebedouro para pássaros, já imaginando beija-flores na minha janela. Soube que se preparava uma beberagem de água com açúcar para atrair os animaizinhos, simulando o néctar das flores, mas achei isso uma crueldade. Tentei usar água pura várias vezes, mas nunca fez sucesso. Nenhum beija-flor voltava nas minhas flores de plástico kitsch depois da primeira bicada.

Depois deste tempo todo, não resisti à tentação e resolvi experimentar a água com açúcar, me comprometendo a tomar todos os cuidados para não acabar por matar os bichinhos - a água doce tem que ser trocada diariamente e o vasilhame lavado, senão corre o risco de aglomerar fungos e bactérias letais.

Tem uns três dias que comecei a fazer isso e já é o hit do inverno entre os pássaros da região. Agora tenho passarinhos hiperativos alucinados viciados em açúcar aos montes frequentando a grade da minha sala. Imagino que já esteja saindo no noticiário do reino animal que "Gangues rivais disputam novo ponto de açúcar". Ontem mesmo, fora de brincadeira, rolou uma colisão aérea entre duas aves que vinham em direção ao pote. E enquanto dois beija-flores com rabos de tesoura brigam pela mesma florzinha lilás, sempre tem um passarinho menor que segura na grade e se aproveita para se refestelar. Quando os outros se dão conta, caem de pau no amarelinho para largar da grade. É uma loucura.

A única coisa que me preocupa agora é a possibilidade de eu estar interferindo no ciclo de polinização das flores das redondezas.

Está muito divertido. Tenho agora um Discovery Channel particular. Em apenas dois dias vi um beija-flor fazendo coisas muito diferentes de estar parado no ar com suas asinhas de helicóptero. Alguém por acaso já viu um beija-flor se coçar?

sábado, agosto 16, 2008

Só, somente só

Às vezes parece que as coisas boas da vida é que são apenas uma fase.

Ligo o computador com um objetivo específico e, depois de navegar por algumas merdas, já esqueci o que foi. Abro esta tela de post, que se põe como uma intransponível esfinge perante meus olhos míopes e macerados pela luz inclemente de Salvador. O que tenho a dizer? Todas as idéias boas escoaram com o cansaço e a falta de graça da minha própria vida. Enquanto isso, ali do lado, a geladeira faz barulhos estranhos. Tem horas que simplesmente dá vontade de ser encontrada por uma bala perdida. Rápido. Sem aviso. BLACKOUT.

***

Lembrei da semana passada, quando passei pelo largo da Dinha e vi uma cena que me fez rir, para logo depois me sentir uma pessoa péssima. Numa das mesas, um prato de abará pela metade e um copo de cerveja cheio acompanhavam um sujeito que dormia miseravelmente sentado numa cadeira, com a cabeça jogada para trás. Ficou lá por um bom tempo, completamente apagado, boca aberta e tudo. O prato de comida, a bebida e uma chave em cima da mesa. Dei risada, tirei foto com o celular de um amigo, disse que o cara era uma instalação, uma intervenção urbana. As pessoas passavam e olhavam com cara de interrogação. Falha na matrix.

Até que veio uma mocinha dessas que distribui panfletos e perguntou por quanto tempo ele estava ali. "Ai, meu deus, será que ele tá morto?", a mocinha preocupada tentou acordar o cara, tomou-lhe o pulso. Na hora, fiquei apavorada, me senti a pior das criaturas - não apenas me faltou humanidade para procurar saber se o homem estava passando mal, como ainda fiz piada e fotografei, talvez, um cadáver.

O cara estava vivo, mas completamente fora de órbita. A boazinha chamou atenção do garçom, que também não estava nem aí. Chacoalharam o dorminhoco de cá e de lá, ele quase cai com a cara no abará-cortado-no-prato, deu sinal de vida, mas estava longe de acordar. Não vi como terminou a história. Fica no arsenal dos causos pitorescos da boemia baiana.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Banho de água fria

Ontem o chuveiro parou de esquentar. Chegou a hora de trocar a resistência, imaginei. Cheia de bravata, com ares de independente, disse que eu mesma iria fazer a substituição. Nada de chamar eletricista ou coisa do tipo. Qualquer um pode trocar a resistência do chuveiro elétrico, apesar da operação ter todos os elementos para dar errado: eletricidade, água e metal.

A primeira atitude foi buscar na internet alguma informação a respeito. Achei alguns sites e, ao que parece, desligando o disjuntor, tudo fica mais mole que passar faca quente na manteiga.

Fui no meu quadro de energia, desliguei o único disjuntor marcado e me dirigi ao banheiro, acompanhada de perto por minha colega. Com um pouco de trabalho, abri o chuveiro me molhando toda com o resto da água que fica acumulada. Tirei o copinho plástico que fica em torno da resistência para acumular e esquentar a água e dei uma boa olhada na espiral metalizada. Molhada, de chinelo e encarapitada em cima de um banco, decidi que aquilo não era trabalho para mim.

Aproveitei para dar uma limpada no chuveiro e coloquei tudo de volta sem tocar em nada. Alguma coisa me dizia que não era seguro. Ao voltar para ligar o disjuntor, resolvi antes fazer um teste. Tentei acender a luz do meu escritório, não rolou.

Eu havia desligado o disjuntor errado.

Parece que a Morte cochilou por um segundo e eu me safei dessa.

domingo, agosto 03, 2008

Infinito, nada

Um racha coroado com uma batida fatal.
O salto da ponte, até que alguém morre afogado.
Uma fogueirinha que se transforma em incêndio.
Patinar no lago congelado e ir parar na face errada do gelo.
Um mergulho sem conhecer a profundidade.
Churrasco na lage e traumatismo craniano.
Passeio de carro, assalto e tiro.
Viagem de avião e queda.

Entre tantas outras diversões que, por descuido, se convertem em trágica estupefação. Quando começa, é euforia, adrenalina, uma brincadeira inconsequente, prazerosa, até que o destino resolve também fazer das suas. É uma virada. Um instante apenas, e está feito. A realidade reconfigurada. A perda ganha face num cadáver ou outros vestígios que indicam que ali uma outra verdade já esteve. É um corte seco numa linha reta, então forçada a tomar nova direção.

Qualquer um está suscetível a coisas ruins. Mesmo as pessoas mais legais. É independente de merecimento. Na maioria das vezes, não dá para fazer idéia de onde vem. É como a tampa da privada da Estação Mir que atinge a protagonista de Dead like me. Em outras, os sinais tentam antecipar, mas geralmente são decodificados apenas quando é fato consumado. Quando o mundo aparentemente está no eixo que conhecemos, é difícil dar ouvidos aos detratores. E ouvi-los o tempo todo é o mesmo que não viver.

Se não é possível trafegar pelos nossos dias pisando em ovos, num alerta constante com medo no olhar e escudos em todas as direções, o que resta é manter no fundo da alma um considerável estoque de curativo. Paciência para limpar as feridas e bandagens de sabedoria para carregar as dores, aprender com as perdas e seguir em frente. E dizer adeus ao que se foi.