sábado, dezembro 08, 2007

Meu amigo, o Anestésico

Passei a semana inteira em função de uma cirurgia odontológica. Coisa simples, apenas meia-hora, me disse o doutor. Antes, o pré-operatório, que incluia o uso de um enxaguatório bucal que me tirou o paladar por quatro dias (e continua me tirando). Depois, o repouso, que obviamente acabou sendo maior do que prometido inicialmente.

Tratei o assunto com simplicidade e sem dar tons espetaculares. Não saí por aí avisando aos quatro ventos, não fiquei planejando minha vida em torno da coisa, porque acreditei que era simples. Bem, foi um pouquinho diferente - só um pouquinho, mas suficiente para me causar transtornos.

Para não entrar em detalhes toscos que poderiam fazer os estômagos mais sensíveis embrulharem, o problema era raspar um pouco do osso da mandíbula para que o tratamento que estou fazendo possa andar. Já seria a segunda cirurgia deste tipo - a primeira foi tão tranquila que, um dia depois pude ir saltitante e serelepe para uma rave, carregando antibiótico e anti-inflamatório na mochila.

Na última quinta, sentei na cadeira, escancarei minha boquinha e só então me dei conta de que eu não havia me preparado psicologicamente para aquilo. Levei tudo tão na boa que esqueci toda tensão que envolve uma cirurgia, por menor que seja. Agulhadas, corte, sangue, ponto, broca, bisturi... Mas o anestésico, aahhhhhh... Quanta confiança no anestésico!

Ele entra pela agulha fininha, que penetra na carne quase sem sentir, provocando uma dorzinha distante e fofa, que se pudesse ser descrita como um som, seria de um sopro grave como uma tuba e se fosse uma cor, seria vermelho-vinho matizando para preto, como grandes almofadas de veludo. Vai entrando e amortecendo tudo, meio rosto, lábio, bochecha, língua. Ahhhh... o anestésico!

Começa então a sessão de corte e costura. Pelo tom do dentista, a tarefa era um bocadinho mais difícil do que ele imaginava. Aí começou a me bater a nóia do efeito da anestesia ir passando e eu começar a sentir dor de verdade. Como sinalizar isso, meu deus, sem dizer uma palavra? Gemendo, claro. Ok, problema resolvido. Procurei respirar fundo e relaxar, preceito básico das minhas aulinhas de yoga. Quanto mais tensa, pior a dor. Relaxa e goza, meu bem.

Começa a passar o efeito do anestésico. "Ah! Ah! Ah!". Tá sentindo? Tá doendo? Não estava exatamente doendo, mas eu não ia esperar pra ver. Manda chamar ele lá, o meu melhor amigo, numa seringa de agulha fininha. Aaaaaahhhhhhh... O anestésico!

Tomei várias doses, mas teve uma hora que não teve jeito. O tal do osso oferecia uma resistência desgraçada e não tinha olho fechado apertado que sinalizasse que eu queria mais anestésico. "Você tá sentindo dor ou uma pressão?". Porra, por que os dentistas fazem essas malditas perguntas com alternativas, quando vc tá com a boca escancarada e o máximo que pode emitir é algum som que sugira sim ou não? Levantei a mão indicando que eram os dois, por via das dúvidas. Mais anestésico, mas nada de diminuir o sofrimento.

Lembrei de quando tomei anestesia geral. Quanta felicidade! Uma morte temporária que engole tempo, espaço e ações. Num instante você está contando até 10 de trás para frente e antes de conseguir chegar ao 1, abre os olhos e já está devidamente acomodado e operado. Ah, a anestesia geral... Grande amiga.

Uma hora depois - e não meia, como ele havia prometido - minha boca podia ser fechada novamente. Quando saí da cadeira, vi que o pobre do dentista estava completamente empapado de suor. A coisa tinha sido feia mesmo. Em vez de me deixar trabalhar no dia seguinte, me mandou não sair de casa durante quatro dias. Hm... Não gostei disso. E ainda me passou um remédio fitoterápico que ele mesmo alertou de cara que tem o gosto muito, muito amargo. Pelo menos eu continuo usando o outro paladar killer. E tenho sorvete nas horas vagas para compensar.

Enfim, é por isso que neste final de semana eu não vou no Boom Bahia.