terça-feira, agosto 28, 2007

Sincronicidades

Gente mudando ou querendo mudar de emprego. Amigos que partem. Egos em transformação. Setores em fase de reestruturação. Aquecimento global e crise existencial. Tudo. Ao mesmo tempo. Agora. Acontecendo comigo, com você e o seu vizinho. E com os amigos desconhecidos do seu vizinho. Naquela mesa de bar que nem é a sua. Em outro país. Em outro planeta? Enquanto isso, você ainda busca a tal cara-metade. Cada um anda é por aí em bando, sem banda. Aos pulos, como o Saci Pererê.

"Escrevo eu. Eu. Eu e somente eu. Meu monóculo voltado para o meu próprio umbigo. Será que não consigo conjugar os verbos se não for em primeira pessoa?", ele já se encontrava à beira da exasperação quando decidiu pelo exercício que beirava o ridículo de falar em si mesmo na terceira pessoa. Enquanto isso, numa capital litorânea, a outra já se pegava tão perdida entre idéias, que trocava palavras, esquecia o significado das coisas e chegou ao sacrilégio de atribuir o Davi ao Da Vinci. "E ela que nem mesmo admitia que se pronunciasse Rodin errado", ele teria lembrado com a soberba que era peculiar ao grupelho.

Sem tesão, não há solução. Nome de livro virou clichê da sabedoria pós-moderna, trans-contemporânea, interestadual e extra-planetária. Jovens de uma geração suprema em prazeres, delírios e desgostos incorporam a máscara blasé dentro e fora das boates, num tédio infinito da vida de dificuldades triviais e fúteis demais para provocar ebulições em seu instinto de sobrevivência. Libido em grau zero. Sexo sem suor. Trabalho sem lida. Cultos sem adoração. Corrida sem adrenalina. Litros de álcool sem embriaguez. Cinismo exacerbado. Deleite encaixotado em algum pormenor de ingenuidade fora do alcance das grandes metrópoles - ou daqueles que com elas sonham, enquanto maldizem a vida ingrata das províncias espalhadas pelo mundo que há muito desaprendeu que porra é civilização.

Idéias brilhantes nascem e se perdem todos os dias nos furacões de discursos, falácias, notícias da moda, desinformação e efemeridades. As que sobrevivem muitas vezes são os insights mais dementes que, porventura, foram levados até as últimas consequências. Quantas vezes não ocorre um aborto mental por pura impossibilidade de gestar imaterialidades pelo tempo que é necessário? Diria agora que, na atual dinâmica das coisas, somente o ser humano continua levando o tempo imprescindível para que fique pronto - mas isso é mentira, podemos ver com o aumento do número de prematuros que conseguem resistir e virar gente. A que preço, em poucos anos saberemos, mas talvez já seja tendência 'otimizar' também o tempo de uma gravidez.

É possível que o tesão esteja mais intimamente ligado à paciência do que imaginamos. Ela se esgota e lá se vai ele também, minguando até resistir somente como um fio frágil que se parte quando temos dificuldade de articular essa com aquela palavra. Juntar um e outro pensamento, que ainda estão distantes e precisam de tantos outros que teçam o labirinto-trajeto entre eles. Uma idéia simples muitas vezes brota de um emaranhado de sabedorias. Como Picasso, que levou uma vida inteira para, como ele mesmo dizia, aprender a desenhar que nem criança. E as conclusões elaboradas dependem da fidelidade e entrega de fiandeiras ou bordadeiras de mãos delicadas, essas cujas obras recebem paga tão pouca.

Nesta cobra que morde o rabo, escorre o tesão.
Devolva-me!

1 Comments:

At 11:58 AM, Blogger Hebert said...

Tnao absurdamente sincrônicos todos nós...

Ora, ontem fiz um bolo de maracujá, o primeiro da minha longa vida. Hoje a voz na internet me conta que a minha tia prepara desavisada o mesmo bolo, a quatro divisas de distância. Como não olhar pro meu umbigo, se o do mundo é o mesmo, com uma hérnia inchada dentro, a ponto de explodir?

 

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