Doce lar
Já faz dois meses que estou de casa nova. Posso assegurar que a experiência tem sido gostosa até então, com esmerados cuidados cotidianos que ameaçam ser interrompidos de repente, rompendo com o delicado equilíbrio das coisas limpas e arrumadas. Driblar o caos tem lá suas manhas e, sem bom humor, é fácil terminar comendo num canto empoeirado, dividindo nacos de pizza com as baratas.
Desde o primeiro dia em que dei a louca, catei tudo e fui embora pra meu ninho emancipado - até parece que foi mesmo um rompante, esquecendo os meses e meses anunciados com os cuidados de noiva virgem - tenho vivido situações entre engraçadas e curiosas, maioria delas bem característica de marinheiros de primeira viagem ao reino do lar.
Logo na primeira noite na casa, incorri no erro mais comum entre os recém-mudados: convidar amigos para uma festinha privê, regada a uma bebidinha. É claro que, dada a falta de geladeira (que já existia, mas não estava ligada), optamos pelo vinho. Na mesma linha de obviedades, na casa também não havia saca-rolha. Isso, porém, a gente só se dá conta na hora mesmo de abrir a garrafa. Uma chave de fenda fez as honras. E o vinho, como não podia deixar de ser, tinto. Em parede branca. Cheiro de esbórnia pela cozinha.
No dia seguinte, montar uma cama sozinha. Parecia que estava fazendo sexo comigo mesma - encaixar pininhos em buraquinhos, fazendo força, balançando para entrar mais fácil, respirar ofegante. Montei (quase) tudo errado. Era umas dez da noite, resolvi desistir por respeito ao vizinhos. Como meu tempo é curto e sempre à noite, levei mais uns três dias para acabar de montar a cama e, ainda assim, com peças trocadas. Foda-se. Dei por isso mesmo.
Às vezes tem horas que acordo e não sei direito onde estou. Em outras, não sei que dia da semana é - quarta-feira dessas, amanheci pensando que era sábado. Lástima. Essas adaptações acontecem aos poucos.
E o que dizer dos novos sons da vizinhança? Na minha primeira manhã na casa nova, um domingo, acordei entre cantos de galo, liquidificadores ligados, pessoas caminhando no andar de cima (mas que pareciam andar dentro da minha casa), pessoas gritando na rua, carros, Piatã FM comendo no centro. Caralho, tinha dormido demais! E ainda tanta coisa para arrumar... Que horas eram? Busquei o relógio pensando numas 10 horas. Imagine só a minha surpresa ao descobrir que eram... 6:42! Pois é, na minha nova morada, o fuso horário é outro. Um comentário: minha rua é passagem para dentro de um bairro popular. Alguma relação possível?
Deve ter levado mais ou menos um mês para eu passar a dormir direitinho, porque toda noite eu acordava com o cocoricar dos galos desregulados - cantam meia-noite, 4h, 6h, até meio-dia os bichos estão cantando. Detalhe é que tem um mais velho, de timbre grave, que é acompanhado pelo que julgo ser um frangote, dado o ridículo desafinar agudo.
Da minha primeira noite para os dias de hoje, muita coisa já mudou no apartamento. Conquistei a privacidade com a compra de duas cortinas, tenho uma cama de casal, um par de cadeiras e outro de bancos, um móvel de computador onde ponho minha TV, o DVD e o som, entre outras coisas que vão dando ao antigo "imóvel" o novo aspecto de "lar".
A melhor parte é receber os amigos. Aliás, não: é apagar tudo e assistir a algum filme em paz. Ou seria usar o banheiro de porta aberta com o som alto? Incontáveis vantagens. Tem as desvantagens também, já que nada nessa vida vem de graça. Mas estas eu prefiro descontar ;o)