segunda-feira, janeiro 21, 2008

Medo de Palhaço

Àquela altura do domingo, a fome havia criado um buraco existencial em mim. Era mais um combinado de angústia e gula, uma necessidade de canalizar em mordidas e mastigação outras vontades guardadas e mal-reconhecidas. Tive o insight de que deveria comer algo leve, como um sanduíche quente com bastante folhagem e um suco de laranja. Pensei na lanchonete que aspira ser cool ao lado de minha casa. Saí. Na esquina, dei de cara com a sanduicheria fechada. Do outro lado da rua, os golden arches do Mc Donald's brilhavam em minha direção. Lembrei que há alguns meses havia decidido não mais comer do fruto do Palhaço, mas pensei também que pegar um daqueles menus light não era exatamente a mesma coisa. Sutil maneira de auto-ilusão. Uma vez tragado pelo magnetismo oleoso do fast-food, quem se salva? Entrei na loja. Comecei a olhar o cardápio minuciosamente, procurando alguma combinação mais saudável, meio barata e só aí me dei conta de que estava na selva. Garçonetes, caixas, uma horda de funcioários agitados gravitava em torno de mim no intuito de me empurrar para o frenesi calórico de uma Mc Refeição. Entre a insistência mal-disfarçada nas vozes amigáveis e o espocar visual de anúncios de ofertas, de novidades de verão, de delícias alucinantes, não conseguia saber - quanto mais enxergar - o que procurava. Acabei impelida a adquirir um Chicken Gourmet completo por R$ 15. Não era bem o que eu queria, não era o que tinha intenção de gastar, mas fui assim mesmo. Foi como ter eu mesma dentro de mim esmagada antes do grito.

Era sódio de sobra. Calorias a dar de pau - quase 700 somente no sanduíche. Gordura para abrir uma fábrica de sabonetes Tyler Durden. Uma desgraceira na bandeja. E eu lá, comendo, pensando, me arrependendo. Então me dei conta de que reformaram a Mc Donald's, agora tá com umas luminárias bonitinhas, cadeiras, mesas, um cenário que imita um restaurante em vez de uma empacotadora de comida mumificada em série. Quando isso aconteceu? Foi da noite pro dia? Seria possível fazer tudo aquilo num piscar de olhos? Havia passado ali tinha pouco tempo e não notei nada de diferente.

Comecei então a ficar com medo de perguntar. E se me dissessem que não tinha nada de diferente? Minha noção de tempo tinha ficado totalmente distorcida e eu olhava ao redor com desconfiança da verdade. Parecia uma bad trip novamente. Paranóia. Alucinação. Comi assustadoramente devagar, observando as pessoas. Quanta gente gorda se reúne ali. E eu no meio. Me dei conta de que teria vergonha se encontrasse alguém conhecido ali, enquanto eu chafurdava em comida ruim. Tentei me acalmar e saborear o sanduíche, as batatas. Tá no inferno, abraça o Capeta, né?

Fiquei ali comendo sozinha, lendo o informe sobre o sucesso da campanha do McDia Feliz que servia de jogo americano. Mordia, mastigava, pensava, olhava ao redor, deglutia. Foi assim sucessivamente, até eu sentir que estava cheia. Forcei um pouco até o final do sanduíche, mas deixei batatas e um pouco de refrigerante. Levantei. Enquanto fiz um movimento para contornar a cadeira, me voltar para a mesa e pegar minha bandeja, uma atendente já sorria encaixando minha cadeira no lugar e sem nem me dar a hipótese de tocar no meu próprio lixo. Um misto de presteza e expulsão que me fez imediatamente pensar na palavra "agressivo".

Antes de sair, passei no banheiro e vi que minha cara estava péssima. Restos de maquiagem nos olhos aprofundavam minhas olheiras e, não fosse eu gorda, pareceria uma vítima de heroína. Contemplei meu abdome inchado e disforme depois da refeição. Quase podia ver o contorno do Chicken Gourmet inteirinho na minha barriga. Voltei para casa me sentindo estranha, pesada e letárgica.

Como o Palhaço.

2 Comments:

At 7:09 AM, Blogger Guilherme Athayde said...

"comida mumificada"

adotou? :)

 
At 11:51 AM, Blogger Bobbie Ladyamnesia said...

já tentei viver sem carne vermelha ou frango. em dois anos pensei em suicídio mais do que o necessário. pensei em homicídio mais do que o permitido.

ja tentei viver sem mc donald's, mas aqueles brinquedos tão fofinhos e coloridos chamam meu nome! se eu não fosse tão resistente em comer meu próprio dinheiro, com certeza já teria virado uma massa disforme semelhante aos ocupantes do andar inferior da cadeia alimentar que, reza a lenda, fazem papel de refeição na loja do palhaço.

XXXOOO

 

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