domingo, setembro 23, 2007

Minas na crista do Pop

Ela é a nova queridinha do indie brasileiro, mas já se apresenta para um público de proporções que fariam muito artista pop se envergonhar. Sem gravadora e meio que por brincadeira, a música de Liebe se espalhou pela internet e provocou em nível nacional um fenômeno parecido com o que os Artic Monkeys fizeram pelo mundo. A diferença é que essa mina provocante caiu principalmente no gosto das mulheres. Em shows com performance incendiária ao estilo Juliette Lewis e com letras cínicas e auto-irônicas, que falam de maneira bem mundana de garotas adultas que gravitam num universo que parece "Bukowski encontra Tim Burton", a cantora vem arrastando um público que canta e se joga ao som de seu pop-eletrônico dançante. Estranho? Não pára por aí. Ela não está sozinha. Liebe se auto-afirma como um produto montado, fruto das mentes explosivas de Lívia Matos (a própria) e Lucy Herbal, duas gatas "na faixa dos 25 com rostinho de 30", como dizem entre risadas. Para esta entrevista, eu, um rocker old school, fui ter com elas no apartamento de Liebe com a missão de penetrar nos domínios estranhos das mulheres desbocadas e hm... fofas. As duas são bem diferentes, ao mesmo tempo que parecem uma só. Juntas, são uma mulher sem igual.

Por Lennox Lee

Lennox - Afinal de contas, quem Liebe?

Liebe - Eu e ela.

Lucy - Ela. Eu sou o lado esquerdo do cérebro da Liebe. Ou o direito. Sei lá.

Lennox - Meninas, dá pra explicar isso direito?

Lucy - Aí, lá vem você com o duplo sentido. A gente dá, mas não precisa explicar nada não.

Liebe - Hahahaha! Tá vendo só? Ela não se segura. Vamos explicar sim, depois a gente dá. Liebe é uma personagem criada por nós, somos nós duas com a minha cara e a minha voz. 99% do cérebro é a Lucy. Ela que tem esse espírito de porco das letras que eu canto. Ela costuma dizer que é a feladaputa e eu sou a boazinha porque sou gostosa.

Lennox - Então Liebe não existe?

Liebe - Existe sim, porra. Olha a gente aqui.

Lucy - É, existe e não existe. Todo artista pop que se preze tem um conceito, uma produção de imagem ali por trás, mesmo que seja sincero pra caralho. Madonna, por exemplo. Ninguém tem a ilusão de que ela pensa tudo sozinha, né? Mas é tudo muito "ela", de verdade. Com a Liebe a gente assume de cara que é um produto. A idéia pintou quando eu li um crítico fodão desses aí e ele perguntava onde estavam as jovens cantoras brasileiras, que falassem de coisas mais da vida ordinária e com uma pegada de humor, saca? Como a Lily Allen, a Amy Winehouse, a Alanis Muriçoca.

Liebe - A gente adora Alanis!

Lucy - Adorava, até ver ela posando de índia navajo na capa daquele dvd infame. Pois então, as meninas aqui já nascem todas com vocação pra ser Maria Bethânia. Vê Maria Rita, Vanessa da Mata, Céu, Marisa Monte... Tudo diva, intocável. São lindas, maravilhosas, talentosíssimas, mas parece que passam longe de ser mulher de verdade, uma dessas que bate, que apanha, que tá aí, com a cara no mundo. Tem a Pitty, que é bonitona, tatuada, gosta de um goró, mas é meio sisuda. Fiquei matutando sobre isso e comentei com a Lívia, porque a gente concordava. A gente curte música, mas não tinha uma artista aqui que falasse como a gente, nas letras, no som...

Liebe - E a Lucy escreve pra caralho. Eu gostava de cantar, e tal, tava tomando umas aulas e a gente começou a transformar isso em músicas novas. Foi aí que ela teve a idéia de lançar o produto. Eu topei e aí a Liebe botou a cara na rua.

Lennox - Mas por que você fala de si mesma em 3ª pessoa, falam "o produto", "a personagem"? Isso aí que vocês estão descrevendo é um processo bem normal da criação de uma banda, do surgimento de um cantor.

Liebe - Ah, mas tem muita gente por trás. O visual, mesmo, eu não me visto, não me maqueio, nem uso o cabelo daquele jeito. Quase não tem nada a ver comigo, mas faz parte da concepção.

Lucy - A gente tem um monte de bichinhas maravilhosas que dão a maior força. São amigos nossos que abraçaram a idéia, como o Léo e o Lauro, que criam o visu da Liebe. Beijo grande pra vocês, bees!

Liebe - E eu não falo como a Lucy escreve. Concordo e me identifico pra caramba, mas ela é mais autêntica, desbocada, tem um senso de humor escrotão. A Lucy é do tipo que perde o amigo, perde a mãe, perde a trepada, perde a própria vida, mas não perde a piada.

Lucy - Mas ela é gostosa e bem mais simpática, daí mandei ela pro palco.

Lennox - E as histórias e sensações que aparecem nas letras, é verdade ou mentira? Vocês bebem isso tudo mesmo e causam tanto ou também faz parte da ficção?

Liebe - É tudo verdade. A gente às vezes tem medo de dar processo e tudo. E a gente sabe que essas coisas não são exclusividade nossa, tem muita mulher aí vivendo essas coisas, por isso botamos na rua.

Lucy - Passamos maus bocados na mão dos homens, aprontamos também umas cachorradas, mas não conseguimos viver sem esses cretinos, porque foder é bom demais. Ficar louca também. A gente bebe - e usa outros aditivos - pra voltar a ser criança, curte. E daí rolam umas histórias, de homem, de bebida, de ter dificuldade de pagar as contas... Então a gente fala disso, comemora, brinca com as desgraças, às vezes lamenta, mas não somos de cultivar sofrimento. Isso é lá com os emos e as 'emas'.

Lennox - Vocês são meio macho...

Lucy - É, a gente é casada, porra.

Liebe - Pensam que nós duas e nossos namorados somos um clube privado de suingue gay. Só porque um deles é cabelereiro e o outro decorador! Mas foda-se, que digam, que pensem, que falem... Agora, a Lucy fala que seu filme predileto é Clube da Luta, mas o que pega ela mesmo é o Edward Norton de mãos dadas com a Bonham-Carter no final! Hahahaha!

Lucy - É, eu quero segurar na mão de alguém enquanto assisto o mundo se acabar. Com a Liebe a gente tá mostrando um outro tipo de mulher. Não digo "novo", porque não tem novidade nenhuma, nem somos nenhum baluarte. A sociedade da gente ainda é muito atrasada nesse sentido. Acha que toda mulher que lida bem com carreira, diversão e sexualidade é sapata. Parece que liberdade para uma mulher é poder se assumir lésbica.

Liebe - Outro dia tava conversando com uma conhecida minha que é juíza, mas na hora da paquera diz apenas que é advogada e fica fazendo a linha tonta. A mulher é fodona, cheia de títulos, mas pra conquistar um cara, se faz menor do que é. HELLOOOW, ESTAMOS EM 2007!

Lennox - Mas a Tati Quebra-Barraco também mostra essa mulher liberada. Vocês podiam fazer funk. O que é que vocês acham do funk?

Liebe - No me gusta el Funk.

Lucy - Com todo respeito às pessoas que fazem funk, mas acho o funk uma merda. Não vou ficar posando de intelectual que quer se sair do rótulo de elitista dizendo que o funk é um estado da arte. A Tati e outras MCs dão uma outra visão diferente, põe a mulher na linha de frente, mas acho que não se valorizam de verdade. É força bruta. Abomino.

Liebe - Mas olha só, não gostar do trabalho não significa ofender as pessoas.

Lucy - Isso. Tipo, musicalmente, tem amigos nossos que gostariam de dar um tiro em nosso cu pelo som que estamos fazendo, gente que odeia pop. Mas aí a gente senta numa mesa de bar e todo mundo se ama. Com alguns deles a gente até podia ir pra cama. É falsidade? Divergência saudável.

Lennox - E vocês, são artistas?

Lucy - Isso é lá pergunta que se faça, caralho? Que porra de repórter é você? Quer botar as meninas pra brigar, é? Hahahaha!

Liebe - A Lucy lê muito, leva horas escrevendo, a gente discute as idéias de cada letra, se reúne com os meninos da banda e das bases eletrônicas para criar o som, a atmosfera das músicas. Eu ensaio, cuido da minha voz, tomo aulas para melhorar a técnica. A gente joga no mundo nossas idéias, se expressa e faz isso através da música. Digamos que somos artesãs.

Lennox - Vocês conquistaram muita gente e rápido demais. Como conseguiram isso sem ter uma gravadora por trás? E como é a relação com o público?

Liebe - Liebe encontrou um nicho de público carente, uma mulherada insana como a gente ou com ganas de se entregar a essa viagem, mas que não tinha ninguém lá na frente fazendo isso. Eu topei incorporar a Liebe porque se eu tivesse lá embaixo, fora do palco, adoraria ver uma figura assim em cima dele. Daí, quando me dei conta, estavam rolando convites para festivais, batizado de boneca, aproximação com bandas badaladas e uma porrada de gente vendo isso tudo.

Lucy - Com a internet, a difusão de música e imagem tornou-se fácil demais. Vê o lance da Cansei de Ser Sexy, ou daquela menina lá que lida com moda, a MaryMoon e vários outros exemplos. Um desespero para os empresários que deitavam e rolavam no talento dos artistas só porque têm a manha de lidar com a grana. Só que é o pulo do gato para quem não tem medo de trabalho e já nasceu com um joystick na mão. Daí o público chega junto mesmo, troca e-mail, vira amigo no Orkut, dá idéia, critica. Acaba sendo mesmo tête-à-tête e a rede se estende.

Lennox - Quer dizer então que vocês são mulheres talentosas, que não precisaram dar pra ninguém para chegar ao topo?

Lucy e Liebe - Nada disso! A gente deu pra caralho!!!