quarta-feira, novembro 07, 2007

Narrativas mirabolantes e self-sabotage

Uma mulher atravessa faixas de avenidas, calçadas e escadas rolantes como se o mundo a visse pela primeira vez. São olhos e mais olhos sutilmente cobiçosos em galanteios imateriais. Suas íris e as de montes de homens poderiam se tocar com tantos encontros. Ela ri por dentro como uma garotinha que toma banho de chuva ou que calça sapatos novos, cheia de orgulho e novidade. Isso acontece por horas, por dias. São muitas as caras, bons sempre, os rostos.

Vai a um bar e já é observada na porta de entrada. Como sempre, ela finge que não vê, um tanto por incrédula. Ele é ruivo, barbado, não é alto e tem uma aparência despojada e afável. Usa boné, o que dá um desconto de alguns anos em sua maturidade. E ela finge que não vê.

Lá dentro, na fila do banheiro, por necessidade, ela é quem toma a iniciativa. Sim, a fila é única e uma boa desculpa para pessoas se conhecerem, trocarem humores alcoólicos, que são sempre os melhores. Num gesto de cavalheirismo arcaico, ele permite que a mulher passe à frente, o que ela agradece com o sorriso de sexo frágil que nunca usa.

Quando eles se reencontram na pista de dança, não são necessárias mais nem meias-palavras. Um encontro de corpos cheio de vontade, mãos velozes que percorrem a pele feito calafrios - and she likes it. A boca, de tão bem encaixada, parece saída de um daqueles sonhos úmidos, dos quais você acorda ofegante e de rosto queimando, não importa qual seja o seu sexo. Na velocidade das luzes estroboscópicas, um selinho de adeus, a troca de números e o combinado de se encontrarem amanhã, numa outra casa noturna.

Sem que os telefones tocassem, no dia seguinte, lá estava ela fingindo novamente que não via o cara. Ou melhor, dessa vez decidiu implicar. Sem que tivesse de fato achado nenhum defeito realmente convincente, começou a pensar nele como se fosse Anão. Não um anão qualquer, havia até certo carinho em sua referência. Era O Anão, como raça de gente, tipo um daqueles de Senhor dos Anéis. O anão-default da fantasia medieval, bem conhecido de qualquer nerd adolescente. Como se não fosse bastante, focou no boné, teve a idéia de que era o mesmo do dia anterior (e qual seria o problema disso mesmo?). Ah, sim! Ela não gostava de homem de boné (desde quando??). Achava meio porco e pronto. Para completar, ao avistá-lo dessa vez, estava novamente na fila do banheiro e cumprimentando uma outra garota. Pronto, estava formado: trata-se de um oportunista, que pega mulher na fila do banheiro! E ela, definitivamente, não se metia com este tipo de gente.

Baixou os olhos com desdém, fechando suas janelas para que as íris do Anão não entrassem. Virou as costas. Perdeu as mãos, a boca e apagou da tela os dígitos que poderiam fazê-la mudar de opinião.

1 Comments:

At 8:13 AM, Blogger Bela said...

Eu vou mandar prender vc pelo crime de auto-sabotagem-power!

 

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