genialidade manguebeat
Chega um momento em que aquela música que você já conhece há tempos soa diferente. Algum acorde toca como uma epifania, daí saltam sons nunca antes identificados, referências e interpretações que estavam guardadas em alguma gaveta bagunçada do inconsciente, desperta uma nova beleza. Foi assim hoje (leia-se sábado, 24) com Criança de Domingo, do álbum Afrociberdelia, de Chico Science e Nação Zumbi.
A batida e a letra evocam uma ciranda, abraçada com uma balada rock (ou seria pop?) que continua atual. Como ninguém, o caranguejo Science sabia como fazer colidir o regionalismo com as manifestações mais-que-contemporâneas da música. É impressionante prestar atenção nos sons, no ritmo cíclico da canção e da melodia, ver o pop caminhar de mãos dadas com o tradicional. Sua voz soa como a de um cantador nordestino típico, contrastando com os instrumentos usados no arranjo, que por sua vez criam sutis contrastes entre si mesmos.
A música cria imagens de uma tranquilidade dos olhos de uma criança, uma certa ingenuidade diante do mundo e do tempo passar, em construções que solavancam o português culto, em que parecem faltar partículas, mas fornecem sentidos e provocam sensações para além do que se canta. E quando Chico se cala, sobe a voz dos instrumentos numa paz sem fronteiras, que aponta um utópico Nordeste livre de conflitos e consciente de sua beleza - cultural, natural, sem grilos com a contemporaneidade.
Para quem não lembra ou não conhece, segue a letra simples, lúdica, poética.
Eu sábado vou rodar
Criança de domingo
Sem saber guiar
Criança de domingo
Amanhã tem mais
Segunda é um dia lindo
Faça chuva ou sol
Amo o meu domingo
Eu sábado vou rodar
Criança de domingo
Faça chuva ou sol
Amo o meu domingo
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