quarta-feira, junho 25, 2008

Por que saí do cinema irritada


*este post conta o filme

Uma das coisas que fiz no feriado prolongado de São João foi assistir ao esperadíssimo longa-metragem de Sex and the City. Dificilmente o fiasco poderia ser maior. Vi as quatro ídolas da modernidade e liberação femininas vivendo um conto-de-fadas dona-de-casa. O filme é irritantemente conservador, dentro e fora do contexto da série. Já haviam me alertado para o gradual conformismo que foi se estabelecendo ao longo das temporadas na tv e confesso que não acompanhei todos os episódios cronologicamente, mas me recuso a acreditar que estejam, em 2008, nos vendendo o modelo tradicional de casamento como caminho único para a felicidade de uma mulher.

Não é preciso ir muito longe para enxergar as idéias expressas no filme que vão minando toda a concepção das mulheres liberadas que aparecem na primeira temporada. O problema não é haver romantismo na história - eu adoro romantismo, romantismo ainda poderia salvar o mundo, se fosse o caso! - mas é o traço conservador e até mesmo machista que comanda o roteiro. Vejamos:

Se você ainda não viu, é melhor não ler esta parte. E NÃO DIGA QUE NÃO AVISEI!
* Carrie e Big resolvem casar e ela quer-porque-quer um casamento mega com véu e vestido de noiva. Na hora H, ele fica inseguro e a deixa humilhada, esperando no altar. No final do filme, recuperada e repaginada, ela perdoa a canalhice e eles casam no cartório - como ele queria desde o início.

* O marido de Miranda dorme com outra mulher e fica claro que a culpa é da própria Miranda, porque é estressada com trabalho, filho, família, manutenção da casa, etc., e se desinteressa por sexo. Ela faz alarde, decide se separar, mas também perdoa e eles voltam para um felizes para sempre.

* Samantha, que sempre foi liberadona, uma acróbata sexual, sai do casamento com o cara mais jovem e gostoso com quem terminou a série, porque a vida dela é mesmo dar pra todo mundo - e afinal, mulheres que dão para todo mundo não têm conserto mesmo, não é? Mas ela não pula a cerca. Decide se separar antes que algo de errado aconteça e o cara nem faz esforço para que eles fiquem juntos. Ela, porque gosta de uma boa putaria, tem mais é de ficar solteira mesmo.

* Charlotte é a única inquestionavelmente feliz e satisfeita do começo ao fim do filme. Casada, com uma filha adotada, fica também grávida, realizando seu segundo maior sonho, já que o primeiro sempre foi mesmo um casamento. Ah, sim: o marido dela é um cara bem, digamos, fora dos padrões estéticos, numa prova de que só mesmo as mulheres são capazes de amar o feio e este lhes parecer belo.


Fiquei imaginando como eu, uma mísera jornalista no terceiro mundo, que fantasiava ser uma versão bem menos glamourosa de Carrie Bradshaw nas horas vagas, poderia ter escrito um filme melhor. Pensei em algumas coisas básicas, que afligem mulheres contemporâneas e que têm muito, muito mesmo, o que fazer, incorporando também a busca pelo amor em suas rotinas cotidianas. Lembrei, inclusive, do final da série Gilmore Girls, quando Rory Gilmore abre mão de um casamento, numa cena que poderia dar uma belíssima lição de contemporaneidade em certos roteiristas.

Nossas heroínas poderiam viver os seguintes conflitos, mais interessantes e com o mesmo charme e humor ácido que são marcas das personagens:

- Carrie poderia estar envolvida com o dilema do casamento com Big, porém, dividida entre se entregar ao enlace ou partir para aceitar uma mega-poderosa proposta de emprego em Londres. Big é tudo que ela sempre quis e, agora que já tem, precisa de novos desafios. Ele é que precisa ralar para fazê-la se decidir. No fim da história, ela decide ficar, arruma algum trabalho igualmente estimulante e casa com o bofe, mas o motivo real da permanência é sua paixão por New York e por suas amigas, declarada desde o início da série na tv.

- Samantha continua vivendo um amor tórrido com seu jovem mancebo superstar. Continua esticando o olho para vizinhos, conhecidos, subalternos e canaliza a energia sexual sendo criativa na cama, mas também arrumando outras atividades - como adotar crianças de outras nacionalidades, a exemplo do casal Jolie-Pitt. Ou então, partindo para hobbies exóticos e exaustivos, como montanhismo, safaris ou escultura em mármore.

- Miranda resolve se separar do marido (Steve) porque este não está dando conta de suas necessidades intelectuais e sexuais. Ela o ama, fica dividida, quem sabe dá até uma escapadela, e percebe que é melhor estar só do que mal-acompanhada. Ela arruma outro namorado e torna-se grande amiga do ex, para que possam criar o filho separados e civilizadamente. OU: para que a independente e cerebral Miranda não caia na maldição da produção independente, Steve passa por uma verdadeira reviravolta, cheia de peripécias e consultoria gay, e torna-se interessante novamente.

- Charlotte, a dedicada mãe-de-família, poderia encarnar uma típica desperate housewife, vivendo o lado agridoce de ser esposa e mãe, sentindo-se um tanto sufocada pela rotina familiar, colocando em dúvida se este é mesmo o caminho da felicidade. Ela exigiria do marido um papel doméstico mais presente, para que ela mesma pudesse continuar uma carreira no trabalho ou de estudos, por exemplo.

Precisamos de mais obras que sejam sob uma ótica feminina, que levantem um pouquinho a bola das mulheres de verdade. Isso, obviamente, sem cair nos clichês de momentos-mulherzinha ou na modorrice politicamente correta. Um exemplo? Desperate Housewives mostra que isso é possível. E aposto que não é o único.

Reescrever esse roteiro me deu um certo alento sobre meus próprios caminhos. Nenhum deles é fácil ou feito de brisa 100% do tempo. Pense bem: homens ou mulheres, a todo tempo somos forçados a fazer escolhas e abrir mão de certas coisas que nos deixam confortáveis e nesse processo não existe uma certeza binária, de certo e errado. Nada é tão estanque e a dúvida nos faz caminhar. Ao contrário do que a lógica cartesiana nos indica, as narrativas nem sempre são lineares. Entre espirais, retas, nós e triangulações, existem maneiras plurais de ser mulher.

5 Comments:

At 9:28 PM, Blogger Unknown said...

Menina, eu não vi o filme, mas soube que além de conservador e machista, era um acinte no quesito consumo. Pra não dizer futil e ditador de um modelo d vida que quase ninguém no mundo pode seguir. Quero assistir, nem que seja pra me indignar. Eu acompanho a série e vira e mexe me deparo com esses seus questionamentos.
bjs

 
At 6:43 PM, Anonymous Anônimo said...

Ai, ai...
E nisso, seguimos vivendo como mocinhas diferentes em um mundo sem modelos que nos caibam.
Divertidamente desesperador! rs

 
At 4:17 AM, Anonymous Anônimo said...

minha unica questao è: como carrie e samantha conseguiam sustentar o consumo desenfreado de bens de luxo? de resto, adorei! :-)
sou machista, simmmmm!!!!

 
At 8:05 PM, Anonymous Anônimo said...

Adorei ler seus textos depois de tanto tempo... Eu era leitora do Cochilos. Por favor, não suma novamente :-)
Saudações de uma fã paulistana.

 
At 3:31 PM, Blogger Luis Pereira said...

esperar que uma série de Tv tenha algum tipo de partido quanto ao sexismo n é querer demais n? o seriado existe dessa forma pq eles achavam que teria publico para tal, e se eles mudaram, é pq eles acharam que mudando o publico seria maior.

pq a decepção?

 

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